Fazendo uso das palavras de Chiquinha Gonzaga, Maju Coutinho manda avisar: “Ô abre alas que eu quero passar!”. Pela primeira vez, é a sua voz que vai narrar a transmissão do desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro na TV Globo.
A festa, marcada para 22 e 23 de abril, não ocorre desde 2020 e chegou a ser adiada neste ano (deveria ter sido realizada em fevereiro) por conta da pandemia de coronavírus. Assim, o começo da história da jornalista, de 43 anos, na Marquês de Sapucaí ocorre em sincronia com a retomada dos festejos carnavalescos, que prometem ser um espetáculo ainda mais emocionante depois de tudo o que foi vivido nos últimos dois anos.
Ao estilo “deixa a vida me levar”, como ela mesma define, Maju tem trilhado uma carreira de evolução constante, da atuação como repórter para apresentadora de meteorologia, chegando a âncora do Jornal Hoje e apresentadora do Fantástico, sua função atual ao lado de Poliana Abritta. Para embarcar em seu novo desafio, Maju pega o bastão que até então pertencia à Fátima Bernardes — a colega solicitou, em dezembro, deixar de fazer parte da cobertura, que comandou nos períodos de 1994-1997 e 2014-2020.
Maria Júlia apresentará os desfiles ao lado de Alex Escobar, com quem tem cumprido, desde março, uma agenda intensa de visitas aos barracões, estudando cada grupo e se familiarizando com os enredos que as agremiações vão levar para a avenida.
E relata que tem sido recebida de forma calorosa nas escolas, onde há um sentimento de orgulho e identificação pela presença de uma mulher negra na transmissão.
— Estou muito animada para essa estreia, para esse encontro com o Carnaval do Rio de Janeiro, uma festa poderosa e que mexe com os meus instintos mais profundos. Porque essa festa, a negritude, o samba estão na minha veia — comemora.
À reportagem de Donna, Maju falou sobre carreira, saúde mental, ancestralidade e sobre acreditar que o Carnaval deste ano tem tudo para ser o maior de todos os tempos.
O que significa apresentar o Carnaval 2022, ainda mais sendo uma retomada após dois anos?
Meu coração está aqui como um bumbo. Acho que pode ser o maior Carnaval de todos os tempos, depois da paralisação de dois anos por causa da pandemia, lembrando até o que foi o Carnaval de 1919, depois da gripe espanhola, em que os foliões se esbaldaram, tiraram aquele grito da garganta. E é isso que escuto muito nas visitas aos barracões: “a gente não vai cantar o samba, a gente vai gritar, vai berrar esse samba”. Essa é a vontade do folião e dos componentes das escolas. O Carnaval não alimenta só a alma dos integrantes das escolas, ele também é uma indústria que bota comida na mesa de muita gente que passou por um período difícil, mostrou resiliência, porque continuou na luta. Muitas escolas apoiaram a comunidade, apesar de não haver a festa, então esse retorno é importantíssimo para alimentar também o espírito carnavalesco e para movimentar essa indústria que é a nossa Hollywood.
Esse ano marca uma troca de bastão. Como se sente ao assumir esta frente nos desfiles?
Estou com uma expectativa enorme, de curtir com muito respeito, de transmitir com muito respeito, muita leveza. Estou chegando pisando devagarinho, assim como cantou a dona Ivone Lara, e pedindo para que abram alas para eu poder apresentar, como disse Chiquinha Gonzaga.
Para quem vê de dentro, é como se fosse um exército, uma batida militar, as pessoas seguem as ordens, cumprem, fazem com amor (...)
MAJU COUTINHO
Jornalista
O que é Carnaval para você?
Para mim, Carnaval é ancestralidade, negritude, força, alegria, disciplina, devoção... porque, quem acompanha de perto a preparação das escolas de samba, acredita em como aquilo é quase uma seita. Diria até que é mais forte do que a emoção e a comoção do futebol, pelo que percebi nas visitas que pude fazer aos barracões e às quadras. Para quem vê de fora, é a festa, a leveza, a alegria, mas , e é incrível ver a capacidade de coesão sem ponto eletrônico; uma galera interagindo, fazendo direito, fazendo aquilo acontecer, é mágico.
Para além do jornalismo, de que forma você costuma viver o Carnaval?
Sou paulistana, ia à quadra da Nenê de Vila Matilde e, mais do que da passarela do samba, da avenida, tenho a memória da quadra, da bateria pulsante, aquela comunidade lá do bairro da Penha, que era mais Penha do que Vila Matilde, e lembro muito da sensação de pertencimento àquela comunidade. Isso é o inesquecível do meu Carnaval. Costumo lembrar dos sambas que me marcaram, e acho que esse marcou muita gente: Peguei um Ita no Norte, de 1993. Um Carnaval que não lembro de ter assistido, mas que está na memória também por conta da sonoridade é Bum Bum Praticumbum Prugurundum.
Tem alguém que inspira você no universo do Carnaval?
O Carnaval é um universo que nos presenteia com muitos personagens inspiradores. Fico muito encantada com o casal de mestre-sala e porta-bandeira que carrega com orgulho e respeito o pavilhão da escola. É ato sagrado e lindo de ver.
Como está sendo a preparação para esse momento especial ao lado do Alex Escobar?
Alex é um parceiro incrível, entende muito de Carnaval, ama os desfiles e é divertidíssimo. Entre uma risada e outra, vamos absorvendo o máximo que a gente pode em cada tarde que temos passado visitando barracões na Cidade do Samba.
Vemos que a sua carreira segue evoluindo. Está indo conforme você tinha planejado?
Sou do tipo “deixa vida me levar, vida leva eu”. Minha intenção é me comunicar bem e atingir as mentes e os corações das pessoas levando informação útil, leveza, diversão, reflexão e novos olhares. Todo espaço de comunicação que me ajudar a cumprir esse objetivo fará com que me sinta realizada.
E qual tem sido a sua estratégia para manter a saúde mental em dia diante dessas mudanças?
Minha estratégia é meditar, fazer terapia, exercício físico, aproveitar essa presença forte da natureza no Rio de Janeiro e conviver com familiares e amigos, eles têm sido muito importantes já que estou fisicamente distante da família. Tudo isso é fundamental pra me manter sã.
O que a Maju do Fantástico aprendeu com a Maju do Jornal Hoje?
A Maju do Jornal Hoje pavimentou o caminho para o Fantástico. Comandar sozinha um telejornal que passou de 45 para 85 minutos, em plena pandemia, em um momento de tensão para humanidade, foi desafiador.
Como tem sido a repercussão junto ao público?
O reconhecimento e o carinho que recebi de muita gente fazem a jornada valer muito a pena.
É a primeira vez que o Fantástico tem duas mulheres no comando da apresentação. O que isso representa?
Duas mulheres no comando do Fantástico é uma maneira de naturalizar a presença feminina em todos os lugares. E mais significativo do que o nosso papel diante das câmeras é o nosso papel nos bastidores, quando conseguimos contribuir com sugestões de pautas que dizem respeito às demandas das mulheres, conscientes de que tais demandas variam quando se trata de uma mulher negra e de uma mulher branca. Conseguir diversificar os olhares dentro da redação é enriquecedor e me dá gás para continuar.
Você e Poliana Abritta parecem estar cada vez mais em sintonia.
Poli é acolhedora, me recebeu de braços abertos, trocamos figurinhas, às vezes também tapioca, melão e castanhas no nosso momento lanche (risos). Nossa troca tem sido leve e harmônica.
Os seus looks são destaque com frequência. Você curte moda, gosta de se envolver nas escolhas?
Gosto de me sentir bem com o figurino. Conto com o trabalho de figurinistas e auxiliares de figurino muito competentes, que já conhecem o meu estilo e fazem escolhas acertadas. Visto basicamente o que gosto. Gosto de cores fortes e vou testando as melhores diante das câmeras.
E nesse Carnaval, qual será seu estilo?
O estilo do Carnaval está sendo decidido na semana em que estou respondendo a essa entrevista, mas sei que terá brilho.