– Jamais vou tirá-lo – declarou Celine Dion, usando uma expressão dramática, exagerada e uma voz que poderia ser associada à vilã de Os 101 Dálmatas, Cruella Cruel. Ela repetiu a afirmação para a câmera do iPhone do repórter:
– Jamais vou tirá-lo – disse, cabeça baixa, tom de voz elevado. – É meu! Todo meu!
O assunto não era o que ela estava usando naquele momento – uma macacão verde metálico de seda desenhado por Isabel Marant e botas curtas de Alexander Wang –, mas sim o modelo assinado por Oscar de la Renta que ela vestiria no tapete vermelho do Baile de Gala do MET, em 6 de maio, para o delírio dos paparazzi em Nova York. Parece uma criação feita com o único propósito de testar o ponto de ruptura da internet.
Sendo mais específico: um body de cor champanhe colado ao corpo, coberto por paetês prateados, formando padrões de escamas de peixe, e do qual pendiam franjas compostas por três mil fios que iam até o chão, feitas de microcontas de vidro, e, coroando tudo, um adorno para a cabeça composto por penas de pavão pintadas de dourado pelo designer de chapéus Noel Stewart.
A roupa levou três mil horas para ser produzida e foi inspirada em um dos figurinos usados por Judy Garland no clássico da MGM A Vida É um Teatro (Ziegfeld Girl). O designer Adrian Adolph Greenburg o desenvolveu para dar à pequena intérprete uma chance de se destacar ao dividir a cena com Lana Turner e Hedy Lamarr.
Assim como muitas das peças especialmente comissionadas vestidas por celebridades no melhor estilo Cinderela nesse torneio anual de sorrisos plastificados, captação de recursos arrasadora e promoção de marcas, o espetáculo produzido por Oscar de la Renta provavelmente estava destinado a retornar às origens após à meia-noite.
Uma das muitas realizações perspicazes de Anna Wintour, editora da Vogue e ditadora benevolente por trás do MET Gala, foi conseguir que uma parte considerável de seus 550 convidados vestisse roupas que não são suas em um momento antes visto como oportunidade para que a alta sociedade pudesse ostentar o guarda-roupa de alta-costura.
Mas espere. Talvez Celine Dion não precise devolver um modelo que – coberto de referências ao antigo glamour de Hollywood, tanto a Busby Berkeley quanto a Elizabeth Berkley e fundamentado no tema da edição atual do Costume Institute (nome oficial do baile de gala do Met), "Camp: Notes on Fashion" – é como o traje da apoteose da indústria do entretenimento.
Talvez ela possa ficar com o conjunto, que se assemelha ao que uma atriz santificada de Vegas usaria ao encontrar São Pedro na porta de entrada do céu. Talvez ela vá comprá-lo.
– Compro, não mendigo presente –, disse a mulher cuja fortuna pessoal, acumulada em quatro décadas no mercado da música, é estimada em cerca de um bilhão de dólares (4,1 bilhões de reais).
Qualquer um que conheça Celine Dion é testemunha disso. Amigos da estrela de 51 anos observam que, além de consumidora voraz, ela é aficionada por roupas fashionistas. O guarda-roupa inclui preciosidades ousadas que inspiram inúmeros memes e que a publicação de moda The Cut, da revista New York, apelidou de "A Renascença de Dion".
– Ela não consegue dizer não – revelou Pepe Muñoz, ilustrador de moda e ex-dançarino que atua como estilista-chefe de Dion, serviço que divide com Sydney Lopez.
– Eu? Amo tudo – concordou Celine.
– Verdade, você gosta de tudo – acrescentou Muñoz.
Eles estavam sentados em uma cabine de gravação à prova de som dentro do estúdio localizado no alto de uma torre no recém-restaurado resort Palms, em Las Vegas. Celine estava com um bronzeado bastante acentuado e tinha o cabelo todo para trás em um coque de bailarina esticado. Muñoz, de shorts e camiseta, parecia ter acabado de chegar da academia.
Eles estavam tão à vontade na companhia um do outro que seria natural pensar neles como um casal, boato que invadiu o universo on-line após Muñoz, de 34 anos, ter acompanhado Celine em Paris no tour que fez para assistir aos desfiles de moda da temporada em janeiro, mas que a cantora rapidamente desmentiu.
– Ele é meu melhor amigo, dançamos juntos e ele fez muito por mim – contou a cantora ao programa de televisão da NBC Extra, em abril, acrescentando que um abraço de um homem lindo e alto era algo que, como viúva, ela não recebia havia muito tempo. Mas acrescentou com firmeza:
– Pepe é gay.
O encontro entre ela e os designers de Oscar de la Renta, Fernando Garcia e Laura Kim, foi um desses golpes do acaso que estão se tornando tão comuns na era das mídias sociais e que, primeiro, passou por Muñoz.
– O Instagram trouxe Celine Dion até nós – disse Garcia no atelier de Oscar de la Renta em Manhattan, onde supervisionava os 52 trabalhadores que montavam freneticamente o modelo do MET Gala.
– Pepe e eu somos amigos no Instagram há alguns anos. Então, escrevi para ele, dizendo: 'Você provavelmente já recebeu um milhão de pedidos, mas será que Celine gostaria de ir ao Met?'.
Consigo me lembrar de um vestido que minha mãe fez para mim quando eu tinha seis anos. Era azul com pequenas flores brancas. Eu o usava com luvas brancas e uma pequena bolsa de bambu branco laqueado.
CELINE DION
sobre sua primeira lembrança da relação com a moda
Não demorou para que ela concordasse.
– Já desenhei figurinos para atrizes antes e foi um pouco mais difícil; dessa vez, foi perfeito – comentou Garcia, completando:
– Fui pego completamente de surpresa quando, após uma semana, Pepe me disse 'talvez' e, depois de duas, veio o 'sim'.
Garcia logo enviou à cantora os esboços que tinha feito em cima das pesquisas sobre o estilo teatral exagerado e sobre um filme de 1941 que havia descoberto. Este narrava a história de três aspirantes a atriz que desejavam fazer parte do Ziegfeld Follies, espetáculos que refletiam o auge do sucesso na Broadway de 1920.
– Eu jamais tinha ouvido falar das garotas de Ziegfeld, mas o filme, os cenários e os figurinos são tão glamorosos e bonitos que achamos ideias para conectar a estética teatral à da nossa casa – esclareceu Garcia, que tem 32 anos.
Quando foi a Las Vegas encontrar Celine pela primeira vez, Garcia levou consigo no avião um protótipo retratando a interpretação de sua equipe do que ele descreveu como "um macacão prateado com megafranjas que Judy e uma porção de outras garotas vestiram" em A Vida É um Teatro (Ziegfeld Girl).
Aprendi que as escolhas de estilo de Celine precisam conversar com ela. Ela não é um boneco que veste o que os outros mandam.
FERNANDO GARCIA
designer de moda
– É muito Vegas e Celine, para mim, é Vegas em seu sentido mais belo – elogiou Garcia, acrescentando que, quando viu o vestido pela primeira vez, com as franjas se arrastando pelo chão, Celine imediatamente colocou a trilha sonora do programa RuPaul's Drag Race e começou a dançar.
– Aprendi que as escolhas de estilo de Celine precisam conversar com ela. Ela não é um boneco que veste o que os outros mandam – alertou.
Uma geração jovem demais para conhecer os sucessos avassaladores da cantora redescobriu a celebridade como uma presença meio excêntrica e onipresente no YouTube, andando de forma exuberante, posando e chamando a atenção de todos pelas redes sociais usando os modelos mais finos da alta-costura em vídeos como o breve, porém hipnotizador, feito em Paris para a Vogue em 2017 – um clipe que mesmo a revista cultural americana The Fader sugeriu transformar em um longa-metragem.
Celine claramente se diverte com seu novo status: tira sarro do recém-estabelecido título de rainha dos memes, ao mesmo tempo que garante não saber o significado do termo; e reitera na Vogue a regra fundamental da moda: nunca coloque o conforto em primeiro lugar.
– No dia em que você passar a pensar em conforto, estará envelhecendo – atestou.
– Cada item de roupa me aproxima da criação de um personagem –, declarou a cantora naquela noite em Las Vegas, segurando uma caneca de chá e pensando no momento em que sairia de sua limusine no Baile de Gala do MET pronta para competir no tapete vermelho com as guerrilheiras da temporada, como Lady Gaga e Kim Kardashian West.
Em seguida, fez uma pausa para refletir sobre os rumos que a vida tomou e as jornadas que percorreu, desde a origem humilde no Quebec até o estrelato global, de referência de moda do passado a queridinha inesperada desse mundo rarefeito.
Algumas das lembranças mais antigas e estimadas de Celine envolvem roupas.
– Consigo me lembrar de um vestido que minha mãe fez para mim quando eu tinha seis anos. Era azul com pequenas flores brancas. Eu o usava com luvas brancas e uma pequena bolsa de bambu branco laqueado – relatou.
Mais tarde, Celine enviou por e-mail uma fotografia em que ela vestia o modelo e escreveu:
– Eu me sentia tão linda nele. Nunca queria tirá-lo.
Por Guy Trebay