Para celebrar o Outubro Rosa, Donna convidou leitoras que enfrentaram e superaram o câncer de mama para compartilhar suas histórias. A seguir, leia, emocione-se e inspire-se:
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SABRINA CAMPANELLA
Relações-públicas, 49 anos, de Porto Alegre
Até hoje vivo cada dia como se fosse o último
Sempre fiz meus exames regularmente, não tenho histórico de câncer de mama nem de útero na família. Estava com 47 anos, quase 48 e, em um domingo, 25 de janeiro de 2015, no banho, senti um carocinho. Na segunda-feira, fiz o exame, e a médica que realizou a mamografia e a eco mamária perguntou quando eu conseguiria conversar com minha ginecologista. Resposta: “Agora!”. Saí dali com o laudo, indicando um nódulo na mama esquerda, medindo 1,1 x 1,0 x 0,8 cm. Fui direto ao consultório da minha médica e já marcamos a biópsia. Eu já tinha quase certeza do que estava por vir.
Fiz a biópsia e entrei em férias. Passei aqueles dias na praia, aguardando o resultado e sem falar nada para ninguém. Só meu marido sabia. Vivi cada dia como se fosse o último. Comemorei meu aniversário como se fosse o último, e voltamos para Porto Alegre.
Meu marido foi quem buscou o exame e chegou em casa transtornado! Diagnóstico: Carcinoma Ductal Infiltrante, grau 3 segundo Nottingham. Choramos muito. Nesse momento, parece que o chão se abre sob teus pés. Temos uma filha, na época com 13 anos. Eu só conseguia pensar que ainda precisava viver muito para poder acompanhá-la, no mínimo, até que ela pudesse andar com as próprias pernas. Nada mais me passava pela cabeça. Então, contei a ela. Choramos os três, abraçados, e começamos a encarar minha nova realidade. Dar a notícia para o restante da família e seguir em frente. Tirar a mama inteira, perder cabelos, nada me preocupava. Só pensava que precisava continuar viva por causa da minha filha.
Em março, fiz a cirurgia e não foi necessária a retirada de toda a mama. Primeiro alívio. Mais exames para ter certeza do tipo de tumor e a notícia de que deveria fazer quimio e radioterapia como precaução para a eventual possibilidade de o tumor voltar.
No início de abril, começaram as sessões de quimio, quatro aplicações da série vermelha, quinzenais, intercaladas por injeções que eu mesma aplicava na barriga para aumentar a imunidade. O cabelo começou a cair e decidi raspar a cabeça, em casa. Meu marido que fez o trabalho. Brincamos durante o corte! Então, fiquei carequinha e decidi: não vou usar lenço, peruca, nada. Não combinam comigo. Depois, vieram as sessões de quimio semanais da série branca. Mais 12 aplicações. Em todas, meu marido ou minha mãe ficavam junto comigo. Período difícil, mas, diante da perspectiva de cura, tudo ficava menos difícil. Família unida, poucos enjoos, muito cansaço, sobrancelhas, cílios, todos os pelos do corpo caindo, reclusão por conta da imunidade baixa, unhas ficando pretas e fracas, pele dos dedos rachando, mas sempre tentando manter o astral alto. Eu me afastei do trabalho. Resolvi cuidar de mim e ficar mais perto da minha filha.
Setembro chegou e, com ele, o fim da quimioterapia. Agora, era a rádio, todos os dias. Mais uns pequenos danos, pele queimada, mais cansaço, sessões diárias. Até que, em novembro, tudo acabou. Tudo? Não, a gente fica ainda um longo tempo sentindo os sintomas do tratamento. A medicação e a radiação matam as células ruins, mas não sabem identificar as células boas e também as danificam.
Danos? Somente físicos. Na cabeça e no coração, a certeza de que temos que lutar e nunca desistir. A certeza de que uma família unida faz toda a diferença. Durante todo o tratamento fui fazendo posts nas redes sociais, contando o que acontecia. Recebi um apoio sem tamanho de amigos que já não encontrava mais, apoio de onde menos esperava. E de onde eu esperava, às vezes não vinha. Até hoje vivo cada dia como se fosse o último. Eu me tornei mais chata com minha filha. Tenho uma enorme necessidade de ir ensinando tudo para ela, pois nunca se sabe o dia de amanhã.
Hoje, já estou de volta ao meu emprego habitual e me tornei sócia de uma amiga que conheci no período do tratamento. Estamos empreendendo, vivendo, trabalhando nos nossos sonhos. Mas ainda não nos recuperamos de tudo que eu passei. Na realidade, toda a família adoece junto, se trata junto, sofre junto e se cura junto, mas as cicatrizes ficam para contar as histórias. Na época dos primeiros exames após o tratamento, mais um período de ansiedade, mas tudo deu certo e fui brindada com um texto que minha filha escreveu para a escola e depois postou nas redes sociais. Terminava assim: “Te amo, mãe, tu é a mulher mais forte que eu conheço. Eu e o pai sempre vamos estar do teu lado. Sempre”.
ALINE SMIDT
Professora, 39 anos, de Porto Alegre
Todos os dias dizia a mim mesma que aquilo passaria logo
Faço parte de uma estatística, que infelizmente cresce cada vez mais no mundo. Mas lutei e venci contra o câncer de mama e hoje estou aqui para contar a minha história de superação.
Me casei cedo e tive três filhas lindas. Minha maior frustração era o peso que adquiri com a primeira gestação e as seguintes – cheguei a 120 quilos. Até que decidi mudar de vida. Em 2010, eu me separei, decidi fazer cirurgia bariátrica e iniciei uma dieta com exercícios rigorosos. Em pouco menos de quatro meses, havia eliminado mais de 40 quilos. Estava radiante, feliz, superdisciplinada e focada na minha saúde. Queria muito fazer uma abdominoplastia e colocar próteses nos seios por estética apenas e iniciei o processo pré-operatório. Na consulta com minha ginecologista, uma mastologista entrou no consultório por acaso, e minha médica nos apresentou e mostrou minha eco mamária. Imediatamente, a mastologista sugeriu que eu fizesse uma biópsia no seio esquerdo para investigar aquele “nodulozinho” quase insignificante.
Fiz sem nenhuma preocupação, meu pai buscou o laudo e fomos juntos na consulta. Chegando lá, meu pai superquieto, nervoso, mas, como sempre fui tão desligada, não reparei que o pior estava por vir... O DIAGNÓSTICO. Meu pai já sabia do resultado. Olhei para ele, já chorando, eu totalmente incrédula e sem chão, aos prantos, me lembro de fazer duas perguntas de imediato: “O que seria das minhas filhas (já assinando minha sentença de morte)” e “Como poderiam fazer para tirar aquilo de mim?”. O dia 3 de junho de 2011 ficou marcado para o resto da minha vida, foi o início de uma nova e longa jornada. Nessa época, já estava com um novo relacionamento, tinha recuperado minha autoestima, vivendo um sonho. Meu namorado também tinha três filhos e nossos finais de semana eram dedicados às crianças, todos os seis. Quando contei para ele, recebi o apoio e amor necessários. Achei que isso poria fim à nossa relação, por ser recente – cheguei a sugerir isso –, mas ele esteve ao meu lado sempre.
Minhas filhas, irmãos, meus pais e amigos, todos foram incansáveis. Todo esse amor serviu para me manter em pé. Então, fiz mais exames, tomografias, marquei o início das quimioterapias, fui vivendo um dia de cada vez, me adaptando a essa nova realidade. Meu tumor media 9 cm de diâmetro, era uma placa, inexplicavelmente quase invisível na mamografia. Todos os dias, ao acordar, fazia um ritual: me olhava no espelho, me maquiava, colocava uma roupa bem bonita e dizia para mim mesma que aquilo iria passar logo. Duas semanas após a primeira quimio, meu cabelo caiu, foi um processo muito difícil. Complicado ter que cortar meu cabelo, que era o que eu mais amava em mim, mas fui. Levei minha filha Agnes junto, que me deu muita força. Minha mãe tinha comprado uma boina linda, coloquei um broche cheio de strass para dar um charme. Depois, ganhei um lenço do meu namorado. Continuei com a minha dieta e as caminhadas, que eram um momento só meu – e acredito que isso tenha me ajudado muito a não sentir tanto as reações que a quimio provocava. Ia de bicicleta até a clínica, não deixei de fazer absolutamente nada do que eu gostava, até fiz um concurso e passei, mas infelizmente fui barrada no exame médico.
Logo chegou a hora de fazer a cirurgia: em momento algum senti medo de perder um seio. Correu tudo bem, tive uma recuperação maravilhosa, fazia meu próprio curativo e logo fui para casa junto às minhas filhas. No laudo histopatológico constou “campos limpos”. Meu tratamento teria continuidade com mais algumas sessões de quimios e radioterapia. Na metade do ciclo de rádio, descobri que estava grávida... E de gêmeos. Nunca senti tanto medo. Não fazia ideia do que poderia enfrentar. Parar o tratamento e não ter certeza de como meus filhos nasceriam por conta de tantas cargas radioativas no meu corpo foi a decisão que tive que tomar.
Foi uma gestação com cuidados especiais, mas Ana Laura e Gabriel nasceram lindos, perfeitos e cheios de saúde.
Minha história poderia acabar assim, com esse final tão feliz, minha família aumentando, com meu marido, nossos filhos, mas nossa luta estava apenas começando... Aos quatro meses de vida, o Gabriel teve uma bronquiolite viral aguda, levamos imediatamente ele para a emergência de um hospital conceituado de Porto Alegre. Houve demora, negligência e descaso com a gravidade do quadro. Após quase dois meses internado, entre UTI e hospital, recebemos o diagnóstico: AVC isquêmico com sequelas graves, pois faltou a oxigenação no sangue após quatro tentativas sem sucesso de entubação. Um pedaço de mim morreu naquele instante. Ao mesmo tempo que minha outra metade criou uma força descomunal porque, a partir daquele momento, eu teria que dar a minha vida a ele. Hoje, nossa luta é dele, por ele e para ele. Digo e repito todos os dias que enfrentar o câncer e vencê-lo foi tarefa fácil perto do que enfrento hoje com meu filho. Por ele sou capaz de tudo. E por ele agora, enfrento mais uma batalha. A todas as mulheres, meu carinho, meu apoio e desejo de que superem sempre seus maiores medos.
MARIA CECILIA SAID BALTAR
Pediatra, 66 anos, de Carazinho
O câncer não escolhe só os outros
Minha história com o câncer de mama se iniciou há 26 anos quando meu colega, amigo e também meu médico, dr. Luiz Cezar Fernandes Vilodre, deu o resultado de uma biópsia que havia realizado. Fui encaminhada à dra. Maira Caleffi e logo realizei a mastectomia. Na época, meus três filhos eram pequenos – a menor ia fazer três anos. Minha preocupação maior era com eles, pois enfrentava o câncer como uma doença em que a sobrevida era ainda pequena.
Os anos foram passando, eu como pediatra me envolvia muito com meu trabalho, que adoro, o que me tornou descuidada e displicente comigo mesma. Fiquei quase quatro anos sem fazer minhas revisões e, quando vi, estava com quatro nódulos na mama direita, um caso muito complicado: foram 10 meses de tratamento em que fiquei afastada da minha profissão, mas não de meus pacientes, que sempre me visitavam. Fizemos até álbum dos jogadores da Copa juntos!
O que restou desta história? O câncer de mama é um companheiro que a gente não convida, mas que, em determinado momento, resolve fazer parte de nossa vida. E precisamos reconhecê-lo logo e não deixá-lo de lado. Faz parte também de nosso tratamento o carinho, dedicação, competência de todos os profissionais que nos assistem, e a eles serei eternamente grata. A nossa fé, não importa qual religião, mas que tenhamos um Deus que segure a nossa mão. Família, colegas, amigos e, no meu caso, também meus pacientes, que desde o primeiro momento e até agora continuam me apoiando e rezando por mim. Agora, depois de quase três anos de meu tratamento, considero que este meu companheiro chegou na minha vida também para mostrar que não são só os outros que ele escolhe e, sim, que médica pediatra também tem câncer de mama e que pode dar seu depoimento para ajudar os outros pacientes a enfrentar uma cirurgia, um tratamento, procurando viver feliz.
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