Cena do filme Amor em Sampa/Divulgação
Bruna Lombardi tem dificuldade de preencher o campo “profissão” quando faz check-in em hotéis. Dá-se ao luxo de escolher uma entre tantas ocupações: atriz, escritora, poetisa, produtora de cinema, roteirista, empreendedora, palestrante. Opta “conforme o mood” (humor) do momento, brinca. Três dessas facetas se manifestam ao mesmo tempo neste verão para o público brasileiro: o lançamento de um livro, de um filme e de um portal são a prova da inquietude profissional de Bruna.
A trinca de novos projetos representa um dos principais propósitos da atriz: ajudar as pessoas a se conectarem consigo mesmas. Lançado em dezembro, Jogo da Felicidade (Editora Sextante, 192 páginas, R$ 29,90) é um livro leve e sensível, com frases e pequenos textos que podem ser lidos em sequência ou consultados ao acaso, como um “oráculo moderno”, na descrição da autora. Amor em Sampa – que estreia nos cinemas em 18 de fevereiro – é uma comédia romântica musical roteirizada por Bruna e com direção de Carlos Alberto Riccelli, marido da atriz, e de Kim, o filho único do casal. E o site Rede Felicidade, no ar a partir de fevereiro, irá reunir experiências de vida de Bruna e de seus seguidores nas redes sociais. A interação diária com os fãs nas suas páginas oficiais de Facebook e Instagram, aliás, foi o que a motivou a criar um portal dedicado a inspirar pessoas.
– Leio 100 mil comentários por semana. São números extraordinários, é uma comunidade muito integrada, diferente de tudo o que já vi na internet. É absolutamente tocante – conta Bruna, em entrevista por telefone a partir de sua casa em São Paulo, a mesma desde quando conheceu Riccelli ao protagonizarem a novela Aritana (1978, foto abaixo), na extinta TV Tupi.
A atriz ainda mantém a casa em Los Angeles, na Califórnia, para onde a família se mudou nos anos 1990, quando Kim tinha nove anos.
– Queria mexer com dramaturgia de forma mais plena – detalha, lembrando dos primeiros cursos de roteiro.
Ao emigrar, Bruna já era um rosto conhecidíssimo no Brasil pelo sucesso na TV. Atuava como modelo quando, em 1977, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho a convidou a estrelar na Globo a novela Sem Lenço, sem Documento. Com Riccelli, estrelou também Um Homem Muito Especial (1980), na Band. No mesmo ano, lançou seu segundo livro de poesias, Gaia, que foi para a lista dos mais vendidos da Veja. O grande papel na TV veio em 1985, com a minissérie Grande Sertão: Veredas, em atuação elogiada. E mesmo com tanta projeção, jamais deixou de se portar de forma discreta. A exposição na mídia, como celebridade, nunca a atraiu:
– Faz parte da minha conduta. Tenho um desejo de privacidade muito grande. Acho que as melhores coisas são ditas a dois. Mas nunca tive reservas, respondo frontalmente ao que me perguntam.
E uma das perguntas mais recorrentes (aquela que o leitor faz para si mesmo desde que olhou as fotos desta reportagem) é sobre sua beleza ímpar, incólume ao passar do tempo. A fama de sempre ter sido uma das mulheres mais belas do país a deixava desconcertada. Desde pequena, ficava tímida quando ouvia “você é linda” (o que ocorria com frequência). Respondia: “Não, não sou”, esquivando-se. Até que um encontro corriqueiro nos EUA a fez ver a situação de outra forma. Mesmo sem ser reconhecida nas ruas, Bruna ouviu de uma americana comentário sobre sua beleza e o rejeitou, como sempre. Mas a interlocutora reagiu: “Escuta, você tem que aceitar meu elogio. Se você não aceita, me ofende. I´m giving you a gift (estou te dando um presente)”.
– Aquilo foi marcante. Pedi desculpas até. A partir de então, entendi que são presentes que recebo, é uma energia do bem que as pessoas passam.
À energia cabe também o crédito da beleza. Coerente com sua crença, Bruna diz que a conexão de um ser humano com o universo é que funciona como fonte de beleza. Sua boa forma é assunto frequente no Instagram: em agosto, uma foto de Bruna deitada na cama (acima), com camisola transparente, repercutiu a ponto de virar reportagem no Fantástico. A imagem recebeu só comentários positivos (Bruna, aliás, diz nunca ter sofrido com haters). “Bota menina de 20 anos no chinelo”, dizia um fã. Outros lembravam a edição da Playboy de 1991, quando posou nua, aos 38, e pediam uma reprise do ensaio.
Afastada da TV desde 2002, quando atuou na minissérie O Quinto dos Infernos, Bruna nunca deixou de receber convites para a TV, mas não comenta as propostas. Há a possibilidade de um novo papel na TV aberta e uma série para TV a cabo junto a Riccelli. Em paralelo, prepara a reedição, pela Sextante, de três livros de poesia – No Ritmo Dessa Festa, Gaia e O Perigo do Dragão. Tanto trabalho não a cansa, ao contrário: a estimula a criar mais. Diverte-se ao citar a frase da sabedoria popular que elenca as metas de uma vida plena. Escreveu livros? Feito. Plantou árvores? Muitas (jabuticabeira, palmeira e mangueira são as preferidas do seu quintal em SP). Filhos? Um. E esta, sim, é sua maior realização.
– Não é preciso deixar uma grande obra como a de (Mario) Quintana. Você pode deixar um filho do bem. Tem coisa mais importante do que criar um filho? É a minha contribuição para o mundo.
O LIVRO
Carlos Alberto Riccelli foi o primeiro leitor de Jogo da Felicidade antes de a esposa entregar os originais à editora Sextante. Terminou a leitura admirado com as 192 páginas, dedicadas a ele e ao filho, e batizou a obra de “manual de vida”. O oitavo livro de Bruna é dividido em 21 capítulos que representam “a jornada de todos nós” em busca de realizações e sonhos. Pequenos textos na introdução de cada tema são seguidos por frases de inspiração. Falam de erros e acertos, decepções e conquistas, saídas para alcançar objetivos que parecem distantes. Para Bruna, estas 21 etapas são comuns a todos e sempre ocorrem ao longo dos anos, mesmo que de forma imperceptível.
– Os episódios das nossas vidas não são isolados. Eles acontecem devagar ou depressa ou simultaneamente. Tudo depende de como a gente se movimenta. Qualquer ação que a gente faça, uma proposta de trabalho, um grande projeto, um romance, não importa: todos obedecem a um certo roteiro determinado na escala das nossas emoções.
A obra chama-se Jogo porque é assim que a escritora entende a vida: “Tudo está sempre em jogo, é sempre por um triz”. Cada jogada, casual ou premeditada, leva a uma nova etapa.
– Está tudo conectado. Todos os fatos que vivi, as pessoas que conheci, as escolhas que fiz, as burrices... Se eu não tivesse chorado naquela calçada, não teria subido naquela pequena montanha. Onde deveria estar me arrependendo, penso “que bom que isso aconteceu porque sem isso não teria chegado a aquilo”. É um longo aprendizado, quanto mais a gente for atento e prestar atenção, melhor.
Os insights de Bruna são fruto de suas observações e estudos de muitos campos, desde cabala e mitologia até neurociência e astrofísica. Baseia suas fundamentações em energia. Mas salienta, rindo, que “para não parecer uma bruxa” para os leitores, sua linha de pensamento segue as reflexões de grandes mestres da ciência.
– É um pensamento científico, está em mentes grandes como Einstein, Jung, mas não estou me comparando com eles, de jeito algum. Estes pensadores compreenderam tais movimentos, e graças a eles, aprendemos mais depressa, absorvemos os ensinamentos. Cabe a nós prestar atenção nestas conexões – explica.
O FILME
Cinco histórias de amor se entrelaçam tendo como cenário a cidade de São Paulo no longa Amor em Sampa, assinado pelas produtoras Coração da Selva e Pulsar Cinema. O filme é uma realização de toda a família Lombardi-Riccelli à frente e atrás das câmeras: Bruna, além de assinar produção e roteiro, é uma das protagonistas da comédia romântica; a direção é de Riccelli e Kim, formado em teatro na Universidade da Califórnia, e ambos também atuam. E todos cantam. Qualquer semelhança com O Signo da Cidade (2008) não será mera coincidência: estão lá o mesmo pano de fundo (as ruas de SP) e a estrutura narrativa de filme-coral e com histórias entrecruzadas, bem como a dobradinha Bruna no roteiro e Ricelli na direção. Amor em Sampa, porém, passa longe do drama de 2008.
Aqui, Riccelli vive um taxista e faz par romântico com Miá Mello. Bruna interpreta uma empresária que se envolve com o personagem de Du Moscovis. Rodrigo Lombardi vive um publicitário que se encanta por uma estilista, papel de Mariana Lima. E Kim encarna um diretor de teatro em um triângulo amoroso com duas garotas. O filme também traz Thiago Abravanel no papel de um assistente de moda.
Iniciada em 2013, inclusive com a seleção de novos atores por meio de casting via YouTube, a produção teve a data de lançamento marcada inicialmente para coincidir com o aniversário da capital paulista, 25 de janeiro, mas a estreia nos cinemas será no dia 18 de fevereiro de 2016.
– O filme reflete qualquer cidade. Fala de um mundo moderno e contém um movimento por mais amor, gentileza e humanização – diz Bruna.
O PORTAL
O desejo de Bruna de organizar e sistematizar seu pensamentos sobre o que pensa da vida e sua própria jornada de autoconhecimento a fez investir mais tempo nos seus perfis das redes sociais. Mas os posts no Facebook e a interação com os fãs no Instagram tomaram uma dimensão que a escritora não previa. As mensagens de empoderamento e motivação na página, que tem quase 2 milhões de curtidas, inspiraram a criação de um site específico para reunir estas ideias.
– No momento em que alguém fala assim para mim “esta página está me ajudando a viver”, isso cria uma enorme responsabilidade. Não podemos brincar com o ser humano, então quero muito me dedicar a isso – diz a atriz.
Chamado de Rede Felicidade, o portal será inaugurado em fevereiro para estimular as pessoas a se conectarem umas às outras e consigo mesmas. Felicidade, como o nome indica, é o grande objetivo. Mas não a “felicidade ostentação” que Bruna identifica nas redes sociais, como cita fazendo analogia com o Brasil:
– Muitos confundem aparência com essência. Você se ilude ao querer parecer feliz, mas sequer está vivendo aquilo, é uma ilusão. É como a situação da famosa expressão “pra inglês ver”. Vamos maquiar direitinho os problemas do nosso país e mostrar só a parte boa. Mas saúde, educação, saneamento, transporte, as coisas que não se veem, é que são importantes. Com o ser humano também é assim. Você precisa trabalhar mais na sua essência, naquilo que é estrutural – conclui.
O AMOR PELO SUL
A amizade entre Bruna Lombardi e Mario Quintana ficou notória: a atriz era a musa declarada do poeta. No quarto do hotel onde vivia, Quintana tinha dois pôsteres na parede: um com uma foto de Bruna, outro de Greta Garbo. O primeiro contato da dupla foi na Feira do Livro de 1976. Aos 24 anos, a jovem veio autografar sua primeira obra, No Ritmo Dessa Festa. A imagem de Quintana “com um livro embaixo do braço” na fila do lançamento jamais esmaeceu da memória da atriz.
– O Rio Grande do Sul é uma terra de adoção minha – declara.
As visitas anuais a Porto Alegre para prosear com o amigo em um banco de praça qualquer da cidade deixam a atriz emocionada ao recordar.
– Ele tinha uma extraordinária sabedoria de vida, com aquele humor e jeito disfarçado de anjo que enfia as asas debaixo do paletó. Levava a vida na piada, no diminutivo, eles passarão, eu passarinho, sem dever nada aos grandes mestres. Tenho certeza de que, se Einstein encontrasse Quintana, ficaria fascinado – diz.
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