(Revista QUEM/Divulgação)
Oitava edição do Prêmio QUEM reuniu estrelas e homenageou as personalidades que foram destaques em 2014 (Arquivo pessoal)
Ana Hartmann Hilgert foi morar em Nova York, onde estudou atuação no Ted Bardy Acting Studio (Hudson Motta e Luis Simione/Divulgação) Ao lado de Carcarah, que vive o Killer Joe, Ana dá vida à sensual Dottie em Killer Joe
Aos 15 anos, Ana Hartmann Hilgert fez uma viagem despretensiosa para São Paulo com a amiga de infância Kim Bins, hospedando-se por alguns dias no apartamento da irmã mais velha desta, Mel Lisboa na época já consagrada nos palcos e na TV com sua personagem na minissérie Presença de Anita. Ver de perto o estilo de vida de alguém que vivia dos palcos foi o que despertou em Ana a possibilidade de que um dia poderia fazer o mesmo. O desejo de menina poderia se tornar realidade. Dez anos depois, no mês passado, a jovem gaúcha recebeu das mãos da própria Mel o prêmio de Atriz Revelação de Teatro na cerimônia do 8ª Prêmio QUEM, pela peça Killer Joe.
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Atualmente, a peça está em cartaz todos os finais de semana no Bar e Teatro Cemitério de Automóveis, na badalada rua paulistana Frei Caneca. À primeira vista, o local parece uma garagem - até que a porta metálica rola para cima e revela um bar, que esconde no fundo um pequeno teatro com capacidade para 30 pessoas. Foi no bar que Ana recebeu a revista Donna, vestindo camiseta um tamanho maior que o seu e moletom dos Beatles, "uniforme" que usa para os ensaios. Já os pés ficam descalços na hora de subir ao palco: Ana diz que precisa sentir o chão. As unhas ainda exibiam o azul petróleo escolhido para a cerimônia da premiação, realizada no último dia 18 de março, no Rio de Janeiro. Ana não costuma pintá-las com frequência, mas a ocasião pedia uma atenção especial por colocar a jovem cara a cara com atrizes como Drica Moraes e Mariana Lima, de quem é admiradora.
Nascida em Porto Alegre, Ana avisa que é de escorpião com ascendente no mesmo signo e lua em leão – uma combinação complexa e profunda, segundo uma amiga astróloga que fez o mapa astral da atriz há poucos meses. Segundo ela, a soma da apreciação pelos holofotes dos leoninos e a arte de descobrir o lado oculto das coisas daqueles regidos por escorpião tenha feito Ana ansiar pela profissão de atriz.
– Os atores se alimentam do desejo do palco, da emoção do teatro. E o teatro para mim é tudo. Eu gosto dos ensaios, da coxia, da entrega dos atores, da confiança que faz o espetáculo se tornar realidade – conta.
A paixão pelo teatro surgiu quando, ainda adolescente, conheceu o festival Porto Alegre em Cena: a cada peça, Ana sentia vontade de estar no lugar daquelas pessoas. Mesmo sabendo que era nos palcos que queria estar, acabou passando no vestibular para Direito na UFRGS e, na ânsia de descobrir coisas novas, viajou para a Califórnia na metade do curso, trabalhando em uma loja para juntar dinheiro. No final de seis meses, foi com o pai para Paris e anunciou que juntara dinheiro suficiente para estudar teatro em Nova York.
– Meu pai não gostou muito da ideia, mas não brigamos. Eu já tinha escolhido. Mas, a partir dali, seria por minha conta – lembra.
Chegando à Big Apple, Ana se hospedou em casas de conhecidos até encontrar um apartamento no Brooklyn por um preço que pudesse pagar. Conseguiu entrar no estúdio Ted Bardy, que ensina a técnica Meisner de atuação. As aulas eram em um único turno, mas Ana insistiu em assisti-las manhã e tarde para aproveitar ao máximo cada experiência. Seis meses depois, deixou a cidade de Nova York com a certeza de que não concluiria o curso de Direito em Porto Alegre. Chamou os pais para uma conversa: iria a São Paulo tentar a carreira de atriz.
– A arte nunca foi uma possibilidade que tivesse sido aberta para mim. O teatro era mais um ideal, um sonho, algo inalcançável. De repente, eu estava lá para realizar isso – conta.
Quando mudou-se para São Paulo, em 2012, conseguiu um emprego na companhia Teatro Oficina, mas não como atriz: precisavam de alguém para traduzir o conteúdo do site do local para o inglês e fazer legendas de espetáculos. Mas Ana não se conformou: "Pô, Zé Celso, eu quero atuar!", foi o que disse ao reconhecido dramaturgo e fundador da companhia. Em seguida, veio o convite para uma experiência e, como resultado, a aprovação de Zé Celso. Mais quatro peças vieram, todas parte de uma série sobre a vida da atriz Cacilda Becker.
Confira momentos da carreira de Ana:
Em 2014, o trabalho de Ana ganhou destaque quando Killer Joe recebeu o título de segunda melhor estreia do ano no Guia Folha, do jornal Folha de S. Paulo, além de ser eleita uma das 10 melhores peças de teatro da cidade. A notícia da indicação do Prêmio Quem de atriz revelação veio através de uma mensagem no Whatsapp da amiga Kim - que por sua vez soube da lista de finalistas porque a irmã, Mel Lisboa, também concorria na categoria pelo papel na peça Rita Lee Mora ao Lado. Ana tomava um cafezinho embaixo do Viaduto Jaceguai, em frente ao Teatro Oficina, quando viu a mensagem. Talvez tenha saído pulando e gritando, mas não tem certeza: só lembra de ter ligado para a mãe, a médica Clara Hartmann, para contar que o apoio dado começava a dar bons frutos.
Como um ciclo de uma carreira que desponta como promissora nos palcos, a jovem de cabelos bagunçados recebeu das mãos de Mel Lisboa o prêmio, o que fez com que o momento fosse mais especial ainda. Estava entre pessoas conhecidas, mas que não a conheciam ainda, o que não a intimidou na hora de fazer seu discurso.
–Não é fácil fazer teatro independente. É preciso paixão – disse.
A peça: figura complexa
Foram três meses de preparação para viver Dottie na peça Killer Joe, do autor norte-americano Tracy Lattes. Em um trailer no Texas, Chris, o filho problemático, é ameaçado de morte devido a uma dívida com traficantes. Para conseguir dinheiro, ele sugere ao pai mandar matar a mãe para receber o seguro de vida, supostamente em nome da irmã, Dottie. Entra em cena o matador de aluguel Joe, que aceita fazer o serviço desde que Dottie seja dada como garantia do pagamento. Na versão para o cinema assinada pelo diretor William Friedkin, Juno Temple deu vida à mesma personagem de Ana, enquanto Matthew McConaughey interpretou o assassino, que no teatro paulista é vivido pelo ator Carcarah, também produtor da peça.
O diretor da versão brasileira para os palcos, Mário Bertolotto, assistiu à jovem gaúcha de olhos esverdeados atuando pela primeira vez na peça Bestas Mortes, no Teatro Oficina, que marcava o encerramento de um curso ministrado pela atriz Lulu Pavarin.
– Ela é ótima atriz. E, para a idade dela, alguém muito concentrada e devotada ao seu trabalho. Além de ser ótima companheira de trabalho –elogia Bertolotto.
O produtor de Killer Joe já conhecia Ana – ela era frequentadora assídua do bar onde fica o teatro - e sugeriu que ela vivesse Dottie. Quando recebeu o convite, Ana viajava pelo trecho boliviano do deserto do Atacama. Ao voltar, fez a leitura do texto e foi aprovada para o elenco, do qual é a integrante mais jovem.
– Fiquei muito feliz com o papel quando recebi o convite. Fiquei feliz pelas pessoas que eu admirava e com as quais eu trabalharia. E estava apaixonada por aquela personagem complexa, porque é difícil encontrar uma figura feminina da complexidade da Dottie que tenha o meu perfil – conta Ana.