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Única mulher a liderar a bancada de um partido (do seu PCdoB) em Brasília, vereadora mais jovem da história de Porto Alegre, deputada federal mais votada do Brasil, em 2010, e mais votada do Rio Grande do Sul, em 2006, Manuela D'Ávila encerrou as eleições de 2014 levando a cabo o título que lhe cai como uma luva: campeã de votos. Realizou novo feito. Foi eleita para seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa como a deputada estadual mais votada e disparada na frente: 222 mil votos (o segundo lugar foi de Lucas Redecker, do PSDB, com 96 mil). Toma posse neste sábado, 31.
Nesta entrevista a Donna, Manuela fala sobre as transformações sentidas em 33 anos de vida. Mudanças internas que a levaram a dar adeus a Brasília, optar por morar e trabalhar em sua cidade natal e dividir o mesmo teto com o marido, o músico Duca Leindecker, e o filho dele, Guilherme, de 10 anos.
Donna - Você completou 10 anos de vida pública e 15 de militância com o mérito de ter sido a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre e a deputada federal e estadual mais votada. Quando você olha para trás, como avalia a sua trajetória?
Manuela D'Ávila - Números redondos proporcionam reflexões mais profundas. Enxergo muitas coisas ao olhar para trás. A primeira delas é a capacidade de admitir o quanto a gente muda. Eu mudei profundamente nessa década, principalmente no sentido de mudar de opinião.
Donna - Como assim?
Manuela - Somos uma sociedade que tem muita vergonha de admitir que muda de opinião. Nesses 10 anos de vida pública, o que considero mais importante foi que aprendi a mudar de opinião e a me orgulhar de mudar de opinião. Temos uma tradição política no nosso Estado, maior ainda do que no resto do Brasil, de ter vergonha disso, quando, na verdade, isso é o mais bonito. Significa que estamos abertos a ouvir o diferente e que não somos dogmáticos, pelo contrário. A gente é inteligente e capaz de ouvir e aprender com as diferenças.
Donna - Você fala de uma maneira que dá a entender ter ficado muito surpresa consigo mesma com essa mudança. Sempre foi muito orgulhosa?
Manuela - Muito. Considero esta a minha maior mudança individual. Não sei se passava essa impressão para as pessoas, mas este orgulho sempre foi uma constatação minha particular. Admitir uma mudança interfere muito no nosso orgulho, e eu deixei esse meu orgulho de lado. É uma característica minha que mudou muito. Também tive que trabalhar com a questão da esperança.
Donna - Fale mais sobre isso.
Manuela - Sou uma pessoa que acredita nas pessoas de maneira incondicional. Não me refiro individualmente, mas na humanidade. A gente tem capacidade de transformar o mundo, e foi isso que me moveu a entrar para a política. Ao mesmo tempo, a atividade que eu exerço tem uma velocidade muito pequena de promover essa mudança. Conciliar essa crença nas pessoas com a velocidade de mudança e se manter acreditando talvez tenha sido a maior dificuldade nesses 10 anos.
Donna - Você é imediatista?
Manuela - Um pouco ansiosa, sim. Conviver com a frustração não é fácil. Me refiro ao fato de que sempre acredito na mudança, mas as coisas andam muito lentamente. Não perder a esperança é o grande desafio. É preciso entender que a sociedade é feita de pessoas e que as pessoas mudam sua cultura de forma muito lenta. É a chamada paciência histórica. Esta também foi a década da minha juventude inteira. Eu vivi toda a juventude com mandato. Vivi a juventude publicamente. Aos 22 anos, era uma guriazinha saindo da faculdade com toda a idealização do que eu queria ser e me tornei uma mulher, sempre com todas as mudanças e angústias inerentes ao ser humano, só que expostas publicamente.
Donna - Incomoda ser uma pessoa pública?
Manuela - Eu nunca quis ser uma pessoa pública, mas fiz a opção pela vida pública. Minha escolha foi pela política, não pela notoriedade.
Donna - Quem é a Manuela hoje?
Manuela - Sou uma pessoa que planeja e organiza muito as coisas. Em relação à profissão, consegui trabalhar para que minha ansiedade não virasse frustração. Como? Traçando metas alcançáveis. Sou uma pessoa ansiosa no sentido de que quero ver as coisas realizadas, mas hoje consigo traçar metas alcançáveis para minha vida em todos os sentidos. Sou alguém plenamente idealista com os sonhos que tenho para a sociedade, mas, no meu cotidiano, tenho metas e prazos reais. Caso contrário, a cabeça pira. Não fosse assim, me tornaria uma pessoa profundamente frustrada. As pessoas falam mal da política, só que elas dormem, acordam e vão para o trabalho delas. Eu durmo e acordo e continuo fazendo política. Preciso ter ânimo, e este ânimo se traduz em ter prazos e metas alcançáveis. Do contrário, vou dormir e acordar frustrada todos os dias.
Donna - Mudar de opinião fez com que você se sentisse mais livre?
Manuela - Completamente. O dogma te prende a uma ignorância. É preciso saber o que tu sentes, no que acreditas e onde queres chegar. Eu quero chegar a uma sociedade em que as pessoas vivam com dignidade, em que os homens e as mulheres se respeitem, tenham direitos iguais e educação de qualidade. Para isso é preciso discutir, promover o debate e, se for o caso, mudar de opinião. Este é o grande problema da política: as pessoas se acham maiores do que realmente são. Se julgam imprescindíveis e insubstituíveis. É a piração do poder. A consciência do meu próprio tamanho e de que não sou insubstituível foi o que me deu tranquilidade e liberdade de tomar a decisão de voltar para Porto Alegre.
Donna - Do que você mais se orgulha nesses 10 anos e qual considera o momento mais complicado?
Manuela - Me orgulho de algumas vitórias concretas. É muito bonito ver uma crença ser transformada em lei, como a Lei dos Estágios, que mudou a vida de muita gente (a lei entrou em vigor em 2008 e concedeu aos estudantes direitos trabalhistas com carga horária de no máximo seis horas por dia e férias), e o Vale Cultura (ajuda de custo para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos com o objetivo de viabilizar a compra de produtos culturais, como livros, DVDs, CDs, e ingressos para espetáculos artísticos). Também me orgulho das minhas duas candidaturas à prefeitura de Porto Alegre e de ter enfrentado o preconceito de ser jovem. Eu tinha 26 anos quando concorri pela primeira vez ao cargo executivo e 25 quando fui eleita a deputada federal mais votada do Rio Grande do Sul. A expectativa em cima de mim era gigantesca.
Donna - Você tinha noção disso?
Manuela - Da expectativa em cima de mim? Não!! Estou falando isso agora (risos). Eu tinha noção de que havia uma certa expectativa, claro. Mas não tinha ideia do tamanho dela (risos). Hoje é que me dou conta. A imprensa nacional foi... (Manuela pensa nas palavras). Vou usar um termo um pouco forte, mas não é no sentido de me vitimizar porque não é o meu feitio: a imprensa foi cruel.
Donna - Em que sentido?
Manuela - Apesar de a imprensa ter feito o papel dela, acabou sendo cruel com uma menina que estava chegando a Brasília. Eu sou jornalista, sei que a imprensa apenas fez o papel dela. Mas foi cruel. Me chamar de musa, essas coisas... Eu sei que faz parte do papel da imprensa, era pauta, apesar de eu considerar machista. Não fariam isso com um homem bonitinho, até porque nunca fizeram. Como ser humano, analisando sob o ponto de vista de eu ser uma menina que estava chegando àquele ambiente, foi, sim, algo dolorido.
Donna - Foi difícil se ambientar em Brasília?
Manuela - A minha chegada lá, em 2007, foi muito difícil. Houve outros momentos bastante difíceis, como a decisão de não concorrer novamente a deputada federal, em 2013. Eu estava construindo essa decisão dentro de mim quando eclodiram as manifestações de junho. Aquilo me fez pensar na hora: "Bom, se eu tomar essa decisão neste momento, pode parecer que não acredito mais na política...". E eu acredito. Tive que esperar mais um tempo para ver o que ia acontecer. Eu não podia emitir um sinal errado para as pessoas.
Donna - Também foi difícil perder as eleições para a prefeitura de Porto Alegre em 2012?
Manuela - Foram duas eleições muito diferentes (Manuela concorreu em 2008 e 2012). Tive adversários muito diferentes, e isso as torna muito diferentes. A eleição de 2008 foi muito mais tranquila para mim. Eu estava construindo a candidatura pela primeira vez, e o Fogaça era um adversário mais tranquilo. Também foi uma eleição em que as pessoas tinham menos expectativa em relação a minha candidatura. Já a eleição de 2012 me deixou muito mais cansada. Eu já tinha decidido que não queria mais permanecer em Brasília. Era a única certeza que eu tinha. Foi uma eleição desgastante, foi um processo mais violento do que a eleição de 2008. Saí dela emocionalmente e fisicamente muito mais cansada. Até porque não tinha mais 20 e poucos anos (risos).
Donna - Em que momento você decidiu que Brasília não dava mais e quais foram os motivos? Saudade da sua cidade? Amadurecimento que faz a gente dar cada vez mais valor à proximidade da família e dos amigos? Desilusão com todo aquele poder? O que foi exatamente?
Manuela - Foram vários fatores ao mesmo tempo e nenhum mais forte do que o outro. Existe algo que sempre foi importante para mim que é o fato de morar em Porto Alegre. Sempre fui uma pessoa profundamente incomodada de morar fora de Porto Alegre e nunca escondi isso de ninguém. Eu sempre voltei todos os finais de semana para casa. Faço reunião em São Paulo e volto no último avião para dormir em casa. Tenho uma família muito grande, muito unida, muito próxima. Minha casa é um ambiente de integração muito forte e do qual sempre senti falta estando longe. Tenho essa ligação com a cidade, com os meus hábitos, com a cultura. À medida que os anos foram passando, isso foi ficando mais forte. Cada vez me incomoda mais estar longe de casa.
Donna - Não tem algo mais?
Manuela - Eu acredito que a gente precisa fazer movimentos ao longo da vida, e eu jamais admitiria me tornar parecida com as pessoas que eu combato. Preciso de movimento na minha vida e sabia que não tinha condições de exercer mais um mandato de deputada federal com o mesmo ânimo que tive nos outros dois. Gosto de usar um exemplo utilizando a minha profissão, que é o jornalismo. Há jornalistas que escrevem uma mesma coluna durante a vida inteira e amam fazer isso. Eu jamais conseguiria. Precisaria mudar de coluna, mudar de área, mudar de editoria. Não conseguiria acordar todos os dias e ligar para as mesmas fontes. Conheço jornalistas brilhantes que fazem a mesma coisa a vida toda. Não sou desse tipo.
Donna - Soou estranho para muitas pessoas você abdicar de concorrer a um cargo maior em Brasília para preferir a eleição a deputada estadual.
Manuela - Sim, eu sei. Mas não posso enquadrar minha vida levando em conta apenas a expectativa de terceiros. Considero que vivi um ciclo completo em Brasília. Sabia que determinadas responsabilidades exigiriam de mim mais tempo lá, e eu não aceitaria em função dessa minha ligação com Porto Alegre. As pessoas diziam: "Ah, você tem condições de se eleger senadora". Hein? Nem pensar! Oito anos lá e não aqui? Fora de cogitação.
Donna - E como foi elaborar na sua cabeça toda essa mudança e colocá-la em prática?
Manuela - Tive que ir juntando as pecinhas de um quebra-cabeça. Foi um quebra-cabeça duro para uma pessoa que desde os 17 anos dedica a vida a partir da militância. Tive que ser muito franca comigo, com as pessoas que trabalham comigo, com o meu partido.
Donna - Qual é a parcela de influência do Duca na sua decisão de voltar a morar e trabalhar Porto Alegre?
Manuela - Ele foi um grande parceiro meu na tomada de decisão. Sou uma pessoa que gosta muito do trabalho. Se eu não estivesse vivendo um ótimo momento pessoal, certamente estaria muito focada no meu trabalho - e talvez tivesse pouco tempo para pensar em uma vida mais equilibrada, e o Duca me faz pensar em uma vida mais equilibrada. Independentemente disso, ele foi a pessoa que mais ouviu toda a minha angústia. É o maior advogado do diabo que eu conheço (risos). Cada vez que eu pensava ter tomado uma decisão, ele me fazia mil questionamentos sobre os contras (risos). Foi um grande companheiro em todo esse processo.
Donna - E como se deu o encontro de vocês?
Manuela - A gente já se conhecia. Ele estava separado (Duca foi casado com a atriz Ingra Liberato, com quem teve o filho Guilherme, de 10 anos), eu estava me separando (Manuela terminou o noivado com o professor de ioga Rodrigo Maroni). Ficamos amigos e começamos a namorar.
Donna - Duca é um artista, músico e compositor. Há um lado seu assim também?
Manuela - Minha mãe, durante uma grande fase da vida, deu aulas de violão e piano. Fui criada em um ambiente com muita música. Eu sempre gostei de escrever. Tinha um blog de poesias que não existe mais. Era muito dramático (risos). As pessoas achavam que a minha vida era um melodrama só e resolvi aposentar a escrita (risos).
Donna - Você tem esse ideal de construir uma família de comercial de margarina?
Manuela - De margarina não, né? Porque acho que a vida é muito mais difícil do que vendem na televisão, mas considero a construção de uma família algo muito bonito. Minha família não é nada tradicional. Quando meus pais se conheceram, minha mãe já tinha três filhas do primeiro casamento. Meu pai ajudou a criar minhas irmãs. Mesmo com a separação, conseguimos manter uma relação bonita. Portanto, o meu ideal de família é o que nós conseguimos estabelecer na nossa, mesmo com todas as dificuldades. Espero um dia também conseguir construir uma família levando sempre em conta este símbolo de amor que a minha família me ensinou a ter e a construir, com laços sanguíneos e com laços não sanguíneos. Muitas pessoas se referem a minhas "meias-irmãs". Eu não tenho meias-irmãs. Tenho irmãos. Nunca existiu uma divisão na minha família do tipo "vocês são pra lá e vocês são pra cá". Existe amor. Isso é a base de todo o resto.
Donna - Assim como uma família formada por um casal do mesmo sexo: existe amor. Parece simples, não é? Por que ainda gera tanta polêmica?
Manuela - As pessoas que discutem esse tipo de coisa são aquelas que não conseguem entender que uma família se constrói em cima de um alicerce básico, que é o amor, independentemente do sexo do casal. Por outro lado, existem aquelas famílias de comercial de margarina capazes de vender uma imagem linda nas redes sociais, mas em casa a realidade é bem diferente. Muita estética e pouco sentimento. A construção do amor, respeitando as diferenças, é o que eu busco para formar a minha família com o Duca.
Donna - Vocês se casaram?
Manuela - A gente tem uma união estável.
Donna - Como você é como madrasta?
Manuela - Tem que perguntar para o Guilherme.
Donna - Você gosta de criança?
Manuela - Sou louca por criança. Sempre fui.
Donna - O que você considera primordial na educação de um filho?
Manuela - Dar o exemplo é fundamental. As crianças repetem o que os adultos fazem. São mais alegres à medida em que os pais são felizes; repetem hábitos, alimentação. Eu vou tentar ser o meu melhor para meu filho, colocando em prática todos os meus valores da melhor forma possível e sempre buscando dar o exemplo. Sempre me preocupei muito com essa questão na minha vida pública. No tempo em que eu fumava, cuidava para jamais fumar em eventos com adolescentes. Algumas pessoas diziam que era porque eu queria esconder o vício. Não era nada disso. Eu só não queria que os adolescentes pensassem que fumar era bonito. Se eles, que votavam em mim, achavam que eu era alguém inteligente e bacana, o mínimo que podia fazer era evitar que associassem esses bons valores ao cigarro.
Donna - Não é de hoje o desrespeito dos alunos com a autoridade dos professores em sala de aula. Na sua opinião, isso deve-se ao esmorecimento dos pais em casa, ao fato de delegarem a educação para a escola, à falta de pulso dentro de sala de aula....
Manuela - É uma questão complexa. O trabalho exige muito mais de mães e pais hoje em dia. Há jornadas enormes, trânsito caótico, falta de segurança... Tudo isso somado acaba por delegar à escola a responsabilidade de partilhar a educação dos filhos, independentemente de os pais quererem ou não. É algo real. Na infância, se a criança vai para a creche, essa responsabilidade é maior ainda. É na escola que fica uma criança metade do tempo em que está acordada. Hoje já se sabe que é nos primeiros anos de vida que se estabelece uma parte importantíssima de toda a formação de caráter de uma criança. Da parte neurológica, então, nem se fala. Temos uma sociedade em que o Estado, em um certo sentido, falando a grosso modo, negligencia a ausência de vagas no sistema educacional. Os professores têm remuneração baixíssima, não há estrutura nas escolas para abrigar a energia gigantesca desses alunos. Quantas escolas no nosso Estado têm ginásios cobertos? A partir daí, basta comparar uma criança que se desenvolve com estrutura fornecida pelo Estado com outra que não conta com essa assistência. Quero dizer com isso que uma série de fatores refletem em falhas na educação de uma criança, mas, entre eles, sem dúvida, está a ausência da presença do Estado na educação.
Donna - Foi publicada uma reportagem em um jornal americano que chamava a atenção para a falta de cavalheirismo como uma queixa das mulheres dessa nova geração. Você concorda? E até que ponto o fato de as mulheres tomarem para si a decisão de darem o primeiro passo numa relação, de darem a cantada, de assumirem papéis historicamente masculinos contribui para essa queixa?
Manuela - É uma discussão interessante. O machismo na nossa sociedade não é tão visível como já foi em outros tempos. Li o artigo de uma professora da Universidade de Columbia, que foi braço-direito da Hillary Clinton, em que ela conta que saiu do Departamento de Estado porque não conseguia conciliar o trabalho com a vida pessoal. No artigo, ela questiona: "Por que as mulheres continuam sem poder ter filhos?". Diferentemente dos homens, as mulheres não são donas do seu tempo na nossa sociedade. Existe uma parte do movimento feminista que acha que o cavalheirismo é uma forma de machismo. Na minha opinião, todas as posturas bem educadas, seja de homens ou de mulheres, não têm relação alguma com nenhuma forma de preconceito. A boa educação não é preconceituosa. O que caracteriza o machismo é a opressão, e não a gentileza. O que existe é uma confusão de conceitos. Existe uma parcela de mulheres da sociedade que se comporta, no pior sentido, como os homens se comportam, que compreendeu o sinal de igualdade como um aval para se transformar em algo que elas próprias combatem. O que é esse Lulu? (Lulu é um aplicativo que incentiva as mulheres a avaliarem anonimamente o comportamento e o desempenho dos homens por meio de notas). É a forma mais estereotipada, mais radicalizada dessa fuleiragem, dessa masculinização.
Donna - A aprovação do beijo gay na novela Amor à Vida foi o aval definitivo para mostrar que a sociedade estava mais do que pronta para lidar com esse tipo de relação. Você não acha que a televisão demora demais para retratar modos e costumes?
Manuela - Não costumo assistir à televisão. Acompanho as discussões muito mais pela internet., mas concordo contigo: a sociedade está pronta há muito tempo para ver beijo gay e trata isso com muito mais naturalidade do que a nossa televisão. Tem várias pesquisas que comprovam que o brasileiro é muito pouco conservador com a questão homossexual. Nos últimos cinco anos, passou a existir uma radicalização frente a esta realidade e uso o nome de Marcos Feliciano para ser mais precisa e emblemática (Marcos Feliciano substituiu Manuela na presidência da Comissão de Direitos Humanos, com declarações machistas e homofóbicas). Atitudes como esta contribuíram para um retrocesso na nossa sociedade. Símbolos desse ultraconservadorismo ganharam uma visibilidade assustadora.
Donna - Você falou que fumava. Foi difícil parar?
Manuela - Horrível. Engordei 12 quilos. Foi em 2012. Não falei que a eleição de 2012 tinha sido muito pior do que a anterior? (risos)
Donna - Contou com ajuda médica ou de medicamentos?
Manuela - Só acupuntura. Muuuita agulha! (risos)
Donna - Mascou muito chiclete de nicotina?
Manuela - Masquei e comi o mundo! (Risos) Desenvolvi uma alergia no corpo inteiro do nada. Vivia assim, ó! (Se coça inteira). Tinha que fazer alguma coisa com as mãos!
Donna - Você já foi 40 quilos mais gorda, confere?
Manuela - Confere (risos).
Donna - E como se faz para perder tudo isso?
Manuela - Em primeiro lugar, eu não perdi porque eu não estava procurando (risos). Nunca ouviu esse papo? Tem pessoas que são ensinadas por nutricionistas e profissionais de autoajuda a dizer "eliminei" no lugar de "perdi". Porque, se eu perdi, eu posso encontrar (risos). É verdade! Há especialistas que defendem que, se tu falas "perder", o cérebro registra que tu ainda estás procurando - e pode encontrar. Tem que dizer "eliminei".
Donna - E como foi eliminar 40 quilos da silhueta?
Manuela - Eu tinha uns 16 anos, minha irmã também estava com sobrepeso e emagreceu seguindo a dieta de um endocrinologista. Copiei a dieta dela.
Donna - Você se interessa por alimentação hoje em dia?
Manuela - Muito.
Donna - O que você gosta de comer?
Manuela - Tudo que tu podes imaginar. Tudo o que eu comia antes só que, depois dos 30, cada vez menos (risos). Eu amo pastel. Sou uma pessoa que não tem o sentido de saciedade. Sou capaz de comer 15 pastéis. Sabe Paçoquinha? Devoro uma caixa! Eu adoro comer, adoro cozinhar. Procuro comer coisas saudáveis. Depois que emagreci os 40 quilos, nunca mais tinha engordado. Quando parei de fumar, sabia que podia engordar, inclusive sabia que podia engordar todos os 40 quilos de volta. Foi uma escolha bem drástica. Acabei engordando 12. A culpa não foi só da abstinência. Engordei porque comia muito mesmo. Para emagrecer depois dos 30 foi bem difícil. Só que sou muito disciplinada. Fiz uma dieta com bem pouco carboidrato e consegui. Mas não tenho neuroses. Controlo a alimentação durante a semana, como mais nos finais de semana.
Donna - Você faz exercícios?
Manuela - Academia. Pelo menos três vezes por semana.
Donna - Esses 40 quilos a mais que você tinha aos 16 anos deixaram alguma lembrança ruim, algum complexo adolescente sentido ainda hoje?
Manuela - Nós somos a soma do que vamos construindo ao longo da vida, da nossa caminhada. A guria bonita da escola deve ter ainda hoje marcas de ter sido a guria bonita da escola. Certamente, se eu tivesse sido a magrinha e a bonitinha, não teria me transformado na pessoa que eu sou hoje - e hoje eu tenho duas características muito fortes que são o humor e o deboche. Acredito ser uma pessoa extremamente humorada e debochada porque a beleza não caiu do céu.
Donna - O que você acha desse culto à magreza da nossa sociedade, dessa onda de barriga negativa?
Manuela - Nossa sociedade é pouquíssimo preocupada com saúde e com os valores de uma pessoa e muito preocupada com a estética. É uma sociedade em que as pessoas são coisificadas. Ficam mostrando barriga, barriga e barriga - e o que tem por dentro não vale nada. É uma sociedade vazia de significado. E o pior de tudo é o preconceito com quem não julgam estar dentro dos tais padrões estabelecidos.
Donna - Tem medo de envelhecer?
Manuela - Não. Quero apenas ser saudável. Todas as fases da vida têm coisas fascinantes. O que eu quero é apenas saber sempre ter a idade que eu tenho e ser feliz. A felicidade justifica todas as idades.
Donna - E de se emocionar, gosta?
Manuela - Eu gosto muito de me emocionar. Agora, relembrando o início da nossa conversa, talvez essa seja outra mudança interna que eu tive nesses 10 anos: perdi o medo de me emocionar. Deixei de me importar em deixar a emoção vir à tona. Antigamente, dificilmente me permitiria chorar em público. Hoje sou uma pessoa muito mais emotiva e muito mais feliz assim. Aprendi muito com o Duca nesse sentido. Ele valoriza muito o tempo presente e se emociona com os momentos. Também sou assim.
Donna - Como moradora da cidade novamente, o que mais te alegra e o que mais entristece em Porto Alegre?
Manuela - Uma cidade é feita de pessoas, é feita do seu povo, e isso é o que mais me encanta. Temos característica de uma cidade média, somos uma capital que não tem 4 milhões de pessoas. Há alguns detalhes, como a sujeira, por exemplo, que poderiam se enquadrar no quesito "entristecer" e há um grande problema, que é preciso debater, que diz respeito ao fluxo de pessoas da minha geração indo embora de Porto Alegre atrás de uma situação econômica mais vibrante e de oportunidades mais desafiadoras. Não vão embora de Porto Alegre por não gostar daqui. Vão embora porque aqui não são oferecidas oportunidades interessantes. É preciso olhar com atenção para essa realidade.
Fotos Adriana Franciosi