Já deve ter acontecido com você. A cena: você está conversando com seu namorado. Seu marido. Ou com seu pai. Geralmente, é com alguém bem íntimo (pode ser sua esposa ou sua mãe, mas vamos continuar pegando no pé dos meninos, em nome da reparação histórica).
De repente, você diz alguma coisa que não caiu bem nos ouvidos dele. Você deu uma opinião que não encaixou com o que ele pensa. Ou que não era o que ele queria escutar. Você apenas se posicionou, mas ele entra em surto, fecha a cara, não quer mais brincar. Recolhe a bola do jogo e volta para a casa furioso, abandonando a partida.
Ou pior. Ele bate boca com você. Te acusa. Não consegue dar sequência natural à conversa, que tomou um rumo que ele não esperava. O homem se sente traído. Se exalta, colérico. E você não entende o que está acontecendo.
Pense numa peça de teatro, onde os atores têm seus textos decorados. Você fugiu do script e improvisou. Pânico no palco, concorda?
Um dos grandes problemas da convivência – e são tantos – é quando alguém simplesmente não convive, e sim "se apresenta". O entorno, para ele, é como se fosse uma plateia. Às vezes, esta pessoa entra em um grupo novo e, inteligentemente, se cala, não vai assumir o microfone diante de estranhos, ao contrário, será um ouvinte gentil, mas se está entre os íntimos, ora, o show tem que continuar, está em cartaz há anos. Eu! Eu! Eu! Um stand-up que arranca risadas quando é com o Fábio Porchat, mas se é seu namorado, seu marido ou seu pai na ribalta, é menos divertido.
Você aplaude, porque é educada. E eles são tão legais. E você anda tão exausta.
Até o dia que você, em vez de aplaudir, dá uma situada. Uma cutucada. Um alto lá. E derruba a bilheteria.
Psicanalistas sabem muito bem o nome desta doença que faz com que algumas pessoas necessitem desesperadamente de validação e se agarrem ao papel de protagonistas, escrevam o texto e dirijam o espetáculo, confiando que os coadjuvantes estarão bem ensaiados. Coadjuvantes? Os filhos. Cônjuges. Irmãos.
Eles não são bobos de estender a performance aos amigos, conhecidos, clientes. Não têm controle sobre os periféricos. Estes podem dizer o que quiserem que serão escutados com polidez e simpatia. Mas os afetos mais profundos têm obrigação de reverenciá-los e pedir autógrafos no final. Ou o encontro desanda. A relação desanda.
Tudo porque você teve a audácia de improvisar. De macular a conversa dentro do carro, de estragar o jantar em que ele apresentava o seu melhor. Você não reverenciou o dom do artista. Você achou que o que você sentia tinha importância também. Por sua petulância, merece a expulsão do paraíso.
O triste da história? Eles nem percebem. Já trocaram de plateia. Lembre-se: o show tem que continuar.