Semanas atrás publiquei uma coluna em que citava Amanda Gorman, que leu um poema na posse do presidente americano Joe Biden. Em dado momento do texto, a apresentei como ela mesma se apresentou naquele dia, dizendo que era descendente de escravos e filha de mãe solteira. Não me senti confortável ao usar esta expressão, mas foi a tradução que fiz de single mother e, como não me ocorreu outra, deixei por isso. Depois que enviei o texto para o jornal, pensei: “Humm, vai chover reclamação, fui descuidada”. Mas a torrente não veio. Recebi uma única mensagem mencionando o fato, e nem foi de uma mulher, e sim de um leitor chamado Marcelo. Foi ele que, com muito tato, me puxou a orelha: você não conhece a expressão “mãe solo”?
Sigo perfis nas redes, leio livros, assisto a entrevistas, documentários, mantenho o radar ligado 24 horas e, ainda assim, tanta coisa me escapa: não, eu não conhecia a expressão mãe solo. Se ouvi, não retive. Por isso, mesmo sem acusações, volto ao assunto para corrigir-me e para chamar atenção de alguns outros desavisados, se houver.
Décadas atrás, uma mulher não casar era uma tragédia, e desqualificava-se a vítima chamando-a de solteirona. Não bastasse o rótulo pejorativo, ela era vista como amarga, infeliz e solitária – afinal, não havia sido “escolhida”. Não é de hoje que o mundo é cruel.
A roda girou e mulheres solteiras transam, com ou sem parceiro fixo. O casamento passou a ser uma opção, não um destino. E sendo a gravidez um efeito colateral do sexo, um dia o teste dá positivo. Infelizmente, muitos ainda se apressam em julgar a grávida sem marido como uma aventureira ou irresponsável. Onde está o pai? Boa pergunta. Fugiu? Não quis assumir? Acontece muito. Às vezes, ele não foge, ao contrário, assume com alegria a paternidade e divide as responsabilidades com a mãe, dando ao filho o mesmo amor que ela, mesmo sem formarem um casal. Pode, também, ela engravidar numa relação casual e resolver criar o filho sozinha. Ou ela pode ter sido inseminada de um doador desconhecido. Outra hipótese: ela pode ser homossexual e decidir ter um filho, adotado ou biológico, como um projeto próprio, particular.
Todas essas variantes têm um ponto em comum: seja qual for o caso, ninguém tem nada com isso, não é passível de julgamento. Joan Wicks é uma professora californiana que criou sozinha seus três filhos, um menino e duas meninas, sendo uma delas, Amanda. Joan era casada? Nunca foi? Não sabemos e não importa. O resultado é Amanda, uma menina elegante, talentosa e consciente, que demonstra ter recebido uma educação de muito valor de sua mãe solo. Da mesma forma que há pais solo, e não pais solteiros. Solo. Uma pequena palavra pavimentando um avanço.