Segurança, emprego, cabeças arejadas, investimento em cultura e no turismo. Este é o socialismo português, que acaba de eleger o parlamento mais feminino da história, com 89 mulheres, sendo três negras de origem africana.
Em 2014, quando estive em Lisboa pela última vez, dava até medo de caminhar pela Prata, Augusta e Áurea, as três avenidas paralelas que desembocam na Praça do Comércio. A região conhecida como Baixa era ocupada por lojas decadentes e alguns pedestres arrastando os pés. Quisesse conhecer o lado mais vívido da cidade, o turista deveria perambular pelo Chiado e a Alfama, ainda assim sem criar expectativas: "vívido" nunca foi o melhor adjetivo para classificar a capital portuguesa, mais facilmente identificada por sua melancolia.
Cinco anos atrás é pré-história. Lisboa acordou, e está com saudade nenhuma da antiga sonolência.
Outubro de 2019. Fiquei hospedada exatamente na Baixa, onde agora multiplicam-se bistrôs com mesas na calçada, butiques, cafés, artistas de rua, turistas escandinavos, orientais e muitos, muitos brasileiros - residentes, em sua maioria. Seria exagero dizer que Lisboa hoje é uma cidade que não dorme: ferra no sono. Mas agora em horário de gente grande.
Há restaurantes moderninhos de montão (como o JNcQuoi e o 100 Maneiras), mas bom mesmo é sentir os aromas e sabores tradicionais, sendo o Maria Catita um bom representante da turma, na Rua dos Bacalhoeiros. As casas de fado convivem com um exército de pubs, cevicherias e rooftops - o programa é escolher um vinho do Alentejo e reverenciar o pôr do sol escutando o som de algum DJ. A tristeza, produto tipicamente lusitano, agora só nos versos de Fernando Pessoa.
A arquitetura, sabiamente, continua preservada, não há nenhum monstrengo de 20 andares ocultando a vista do Tejo ou sepultando os casarios coloniais que embelezam a capital portuguesa. As calçadas seguem lindas e escorregadias, as igrejas ladeadas por buganvílias: o bom senso e o bom gosto continuam de mãos dadas. Para quem quer modernidade extrema, a poucos minutos de carro está o Parque das Nações, uma área construída há apenas duas décadas, onde os admiradores de Dubai podem se esbaldar com o design futurista. Uma visita ao Oceanário é obrigatória, leve uma criança se precisar de álibi.
O Mercado da Ribeira, revitalizado, está com uma atmosfera ótima para tragos e tapas. O bar Pensão do Amor é um achado: fica num antigo prostíbulo da Rua do Alecrim. E as livrarias continuam ao pé da rua, como a menor livraria do mundo (nas Escadinhas de São Cristóvão), a Ler Devagar na XL Factory, a tradicional Bertrand no Chiado, a moderna Travessa no bairro Príncipe Real e o sebo Deja Lu, em Cascais, dentro da fortaleza. Livros são mais importantes do que pastéis de nata.
Segurança, emprego, cabeças arejadas, investimento em cultura e no turismo. Este é o socialismo português, que acaba de eleger o parlamento mais feminino da história, com 89 mulheres, sendo três negras de origem africana. Despertar é preciso. Enquanto isso, tendo Trump como modelo, salve, salve o Brazil com zzzzzzz.