A era digital colocou em nossas mãos um aparelhinho que parece inofensivo, mas que transformou a todos em bisbilhoteiros da vida dos outros - e em críticos impiedosos. Já que é inevitável, então que ao menos essa patrulha nos conduza a alguma mudança de mentalidade.
Patrulhar é uma chatice? Se é. Mas ela é necessária para rodarmos a baiana, e a expressão procede. Não vou desenterrar o caso Donata, mas o fato é que ele nos deu mais uma oportunidade para discutirmos o racismo. Mesmo que as reações tenham sido desproporcionais ao episódio, o que importa é que vieram para o bem. Na ocasião, as artistas Elisa Lucinda e Elza Soares publicaram declarações pungentes a respeito, e isto ajuda a iluminar nossas cabeças. Se não a sua, a minha, muito.
A patrulha tem que começar por nós mesmos, temos que colocar o dedo na nossa cara em frente ao espelho e se comprometer a ser um novo "eu", que é o único jeito de inaugurar também um novo país.
Por algum tempo, coloquei a questão racial sob o mesmo guarda-chuva da desigualdade social. Custei a entender que era um subterfúgio para não chamar o problema pelo nome que ele tem. O negro pobre sofre mais que o branco pobre. O negro pobre é mais perseguido, agredido, executado que o branco pobre. A absurda morte de um negro asfixiado por um segurança de supermercado confirma. Negro pobre tem menos chance de defesa do que o branco pobre. Então, não é questão socioeconômica. É racial.
Existe negro infeliz e negro feliz, existe os honestos e os desonestos, os trabalhadores e os malandros, os belos e os feiosos, exatamente como nós, os brancos - somos iguais em nossas diferenças. Não existe "O" negro, um estereótipo que representa uma etnia inteira, assim como não existe "O" branco. Cada pessoa, de qualquer cor, tem uma história para ser compreendida, valorizada e respeitada. O preconceito é um esparadrapo a ser arrancado da nossa pele, e cada denúncia de racismo funciona como um puxão.
Tenho puxado esse esparadrapo em mim. Ao reler meus textos antigos, encontro frases que não escreveria hoje, ideias que ficaram para trás. A patrulha tem que começar por nós mesmos, temos que colocar o dedo na nossa cara em frente ao espelho e se comprometer a ser um novo "eu", que é o único jeito de inaugurar também um novo país.
Demorei a entrar nas redes e hoje acredito que, em meio a tanta besteirada, elas nos ajudam a evoluir, desde que a gente não siga apenas a turma do clube e escute a voz da diversidade. Todo mundo está na berlinda, todos sendo questionados por suas opiniões e atos, e se erramos numa postagem, ok, é humano, mas a pegação de pé provoca consciência e nos educa, pensaremos duas vezes antes de repetir a burrada. E burrada é o que mais se faz. Por predisposição ao esculacho, por ignorância, por hábito, por ingenuidade - seja qual for o motivo, merecemos a advertência.
É nossa responsabilidade criar uma nova cidadania, que começa por evitar perpetuar asneiras por aí e entender que somos cúmplices desse país ser do jeito que é. A patrulha tem que começar por nós mesmos, temos que colocar o dedo na nossa cara em frente ao espelho e se comprometer a ser um novo "eu", que é o único jeito de inaugurar também um novo país.