Voltei de férias recentemente e nas minhas andanças incluí Berlim no roteiro, cidade que havia visitado uma única vez, em outubro de 1989, dias antes de o famigerado muro vir abaixo. Em vez de uma cidade dividida, desta vez encontrei uma cidade integrada, pulsante e majestosa em suas edificações e largas avenidas, e com arte por todo canto. Berlim hoje é uma metrópole jovem e arejada, mas não permite que nenhum de seus cidadãos esqueça que ela já foi sombria, sisuda e criminosa. Alienação, nem pensar. Sua história está não apenas dentro de museus, mas escancarada nas ruas.
Três exemplos.
Desde o início do verão europeu (até 03/10), ao lado do Parlamento e à beira do rio Spree, é possível sentar à noite nos degraus de uma escadaria ao ar livre para assistir, por 30 minutos, a projeção de um gigantesco vídeo que destaca os fatos políticos desde o fim do século 19, passando pela República de Weimar, o período nazista, a Segunda Guerra Mundial e a divisão da Alemanha, até chegar à reunificação. Tudo com muita música, luzes e tradução simultânea em 10 idiomas, via aplicativo. Turistas e moradores formam uma mesma plateia: informal e interessada em olhar para trás para continuar avançando.
Na Bernauerstrasse (rua Bernauer), um bom pedaço do muro continua erguido junto a fotos de todos os que morreram tentando atravessá-lo, e a poucos metros está o Centro de Informações com filmes e depoimentos de quem vivenciou a divisão dos lados (oriental e ocidental) e de como isso impactou o cotidiano da cidade. Nas fachadas dos prédios do bairro, painéis impressionantes registram a incredulidade de quem acordou na manhã de 13 de agosto de 1961 separado de seus familiares e amigos.
E o Memorial dos Judeus Assassinados na Europa também está a céu aberto: são mais de dois mil monolitos de concreto numa grande área ao lado do Portão de Bradenburgo, como se fosse um cemitério, porém sem que haja nome ou foto das vítimas: o que desconcerta é o solo desnivelado, que faz com que a gente se sinta meio tonto ao percorrer os estreitos corredores entre os blocos. A sensação de desconforto é proposital, planejada pelos arquitetos.
Do que se conclui: o chão em que pisamos, não apenas nesse Memorial em Berlim, mas no planeta inteiro e especialmente no Brasil, está cada vez mais instável, fazendo com que a gente caminhe meio grogue. A vertigem só aumenta. Onde foi parar a segurança de um mundo mais tolerante, mais unido pelas causas sociais e menos violento? Que fim levou a solidez da justiça e do bom senso? Estamos regredindo ao tempo das cavernas, grunhindo uns para os outros e abrindo um espaço enorme para a ignorância se instalar. Entre outros motivos, por total desprezo ao passado e por falta de memória. Quem não é abalado, se torna arrogante.