Eu não fazia ideia de que entrar na intimidade de uma pessoa equivale a uma viagem. Que se relacionar amorosamente é como ganhar um passaporte para explorar uma terra estrangeira. Por meio de uma paixão, você descobre outros cenários, outros cheiros, outros hábitos, outras maneiras de falar, de pensar e de existir. Cada homem ou mulher que passa a fazer parte da sua vida, mesmo que depois vá embora, está ofertando não apenas um corpo, e sim um universo, e esse desbravamento mútuo é que é excitante.
Eu nem supunha que as minhas fantasias infantis poderiam, um dia, furar a bolha da ilusão e virem parar aqui, neste cotidiano maduro, realizando-se não exatamente como foram idealizadas, mas, ainda assim, proporcionando extremo prazer: viver é melhor que sonhar, mesmo. Quando olho para trás, fico perplexa com a minha incredulidade, me considerava o azarão de todas as apostas.
Jamais supus que teria condições de ir tão longe geograficamente, de conhecer tantos lugares, sendo que o mais surpreendente é que, além do privilégio de ter tido amores e amigos como parceiros de estrada, tive a mim mesma como a melhor colega de quarto, a mim mesma como a mais tranquila parceira de voo, a mim mesma como a mais entusiasmada das companhias, e foi essa confiança e coragem que permitiu que eu desfrutasse plenamente (e não parcialmente) da minha liberdade, item número 1 da minha bagagem de mão.
Achei que nunca seria mãe, já que me sentia meio deslocada e inábil para os ritos de passagem que todos cumprem de forma natural, mas recebi também o meu quinhão, e ele me veio em forma de duas meninas, hoje duas mulheres, que me fazem ter certeza de que a maternidade não é um prato feito, não é uma rota segura, não é repeteco da história dos outros, mas uma aventura que potencializa as nossas emoções de forma avassaladora e ininterrupta.
Custei a acreditar que poderia fazer diferença na vida de alguém, que teria saúde para tantos movimentos, que teria criatividade para tantos projetos, que teria coração para tantos sentimentos, que teria uma voz, uma imagem, um endereço, um nome, um passado, um destino. Não conseguia dimensionar a quantidade de amizades valiosas, de momentos sublimes, de tristezas profundas, de tanta coisa boa e louca que encontraria pelo caminho, e como essa salada mista me faria bem e me manteria ereta. Se me dissessem que um dia eu seria uma mulher de poucos medos, até acreditaria, mas ainda não saberia o que fazer com essa vantagem.
Ontem deparei com uma foto de quando eu era criança, um retrato já meio amarelado pelos anos em que ficou esquecido numa caixa de papelão. Nele estou olhando fixo para a câmera como se, por trás das lentes, estivesse o meu futuro. Uma menininha de pouca idade (quatro, cinco anos) com muita vontade de crescer, mas que apesar de seu olhar curioso e desafiador, jamais, jamais, jamais imaginaria que viver daria nisso tudo.
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