Um dia desses, um amigo me enviou uma piadinha por whatsapp e eu não respondi nada, que é o máximo de educação que eu consigo manter diante de uma foto bizarra acompanhada de um trocadilho infame. Ele deveria ter se tocado que não agradou e deixado por isso mesmo, mas resolveu cobrar pelo meu silêncio: pô, humor tem que ser sempre inteligente?
Que eu saiba, só existe humor na inteligência. Na falta dela, reside a idiotice.
Eu sei, eu sei. Estou parecendo extremamente mal-humorada, mas diante desta histeria coletiva de se mandar duzentas mil gracinhas para os grupos de whatsapp, é preciso ficar atento. Quando fazemos parte de uma turma íntima, vá lá, a idiotice pode funcionar como uma válvula de escape para as tensões do dia a dia, além de ser uma forma de manter contato – a troca de piadas tolas substitui a cervejinha no fim de tarde que não se teve tempo de tomar. Em todo caso, é bom cuidar para que a bobajada intramuros não vire alienação irreversível.
Humor bom é humor crítico. Pense na Escolinha do Professor Raimundo e na Porta dos Fundos, por exemplo. Duas épocas e duas linguagens completamente diferentes, mas a crítica está ali, no subtexto. Uma é mais popular e alegórica, a outra é mais ácida e realista, mas ambas prestam homenagem à sua, à minha, à nossa inteligência.
O humor combate a hipocrisia. O humor é uma via de transcender a mediocridade. O humor estimula o raciocínio e a reflexão. O humor desestabiliza. O humor ridiculariza o status quo. O humor empodera movimentos (“Homem não gosta de calcinha bege. Poxa, manda ele usar uma cor-de-rosa então”). O humor nos insulta e nos obriga a rir de nós mesmos, nos reposicionando no mundo de uma forma menos solene e mais humana. É o antídoto mais eficaz contra a arrogância.
Inverter o estabelecido: transformar o notável em banal, o defeito em virtude, a derrota em vitória. O olhar renovado para velhas convicções desperta a nossa consciência e solta o nosso riso, seja através da paródia, da sátira, da imitação, da ironia, do exagero, do besteirol. Até mesmo aquilo que é engraçado sem querer (o uso de um chapéu totalmente sem noção, por exemplo, ou se desequilibrar e cair da cadeira) tem uma espontaneidade que quebra o protocolo.
Qual a quebra de protocolo que há no trocadilho? É um humor tão simplório que até constrange.
Pra quem deseja ir mais fundo no assunto, vale a pena ler o livro “A doença, o sofrimento e a morte entram num bar”, do português Ricardo Araújo Pereira. Ajuda a entender que o humor serve para acordar os neurônios, não para anestesiá-los, e que a ignorância só produz sorrisos amarelos.