Era meia-noite e quinze e minha filha de 25 anos, funcionária de um restaurante, voltava do trabalho a pé para casa. Caminhava sozinha por ruas escuras e pacatas, enquanto conversava comigo pelo WhatsApp. Segurando o telefone com uma das mãos e teclando com a outra, contava como tinha sido seu dia e, cansada, comentava que não via a hora de chegar em casa, tomar um banho e ir para a cama.
Você pode imaginar o que aconteceu.
Eu conto. Aconteceu que ela chegou diante do seu prédio, atravessou o gramado aberto que o separa da calçada, subiu um lance de escada, abriu a porta do apartamento, entrou, tomou um banho e foi descansar. Nem poderia ser diferente, sendo ela moradora de uma pequena cidade da Nova Zelândia, país que tem uma das menores taxas de criminalidade do mundo.
Enquanto trocávamos mensagens, eu imaginava essa cena acontecendo em Porto Alegre ou em qualquer cidade do Brasil. Uma filha de 25 anos caminhando sozinha à meia-noite por ruas desertas, e ainda dando bandeira com um celular na mão: qualquer pai ou mãe ficaria com o coração aos pulos.
É como está o meu, agora que ela iniciou um trajeto bem mais perigoso: está a caminho do Brasil, onde voltará a morar por uns tempos.
Eduquei minhas filhas para correrem atrás de seus sonhos, para terem coragem, para permitirem-se o melhor que existe, sabendo que a palavra "melhor" tem significados distintos para cada uma delas. Para a Julia, sempre significou independência, liberdade, emoção. Depois de formada, tirou um ano sabático para viver às próprias custas, viajar, conhecer pessoas, ter novas experiências. E que experiências: morou em cima de uma montanha a dois passos de um vulcão, nadou ao lado de tubarões, pegou carona em estradas, passou cinco meses numa comunidade com outros 16 estrangeiros e agora retorna para os braços da família, dos amigos e de um país que não costuma ser muito cordial com pessoas destemidas.
Além de cobri-la de beijos e carinhos, como recepcionarei minha filha que há 14 meses tem seus direitos de cidadã respeitados, sem precisar preocupar-se com os riscos urbanos? Por amor, terei que lembrá-la de fechar os vidros do carro, não circular por regiões isoladas, não deixar equipamentos de valor à vista, ficar atenta à movimentação em volta, ter cuidado ao carregar sua bolsa e demais atitudes que são meramente paliativas, mas necessárias.
Deveríamos educar para a confiança, mas vivemos dias tão surreais, que terei que reeducar minha filha para o medo.