Costumo ir ao Rio com frequência para cumprir compromissos, e sempre volto com alguma história para contar, ainda que nem sempre conte. Desta vez, trouxe duas que valem o registro.
A mais incrível foi ter sido entrevistada pelo Tony Ramos para a segunda temporada do programa A arte do encontro, que vai ao ar pelo Canal Brasil. Não bastasse o privilégio do convite, o que aconteceu durante a gravação me fez duvidar do meu instinto de preservação: sem aviso prévio, sem ensaio, com o programa em andamento, fui intimada a fazer com ele a leitura de um trecho de um livro de Philip Roth. Cinco páginas de diálogos entre um homem e uma mulher. Deveria ter saído correndo, mas não só encarei, como fui atrevida o suficiente para dar um leve toque de interpretação à minha personagem, a fim de não deixá-lo atuando sozinho. Ao final da cena, eu estava emocionada, não porque tenha sonhado alguma vez em ser atriz, mas porque sempre acreditei que a maravilha da vida está nesses pequenos milagres embrulhados para presente e entregues na sua mão num dia que você pensava que seria igual aos outros.
A segunda história: eu estava no Rio, também, para fazer uma sessão de autógrafos, que aconteceu às seis da tarde numa livraria lotada, em Ipanema. Eu estava sentada nos fundos do ambiente, à distância de uns 50 metros da única porta de entrada. Havia dezenas de pessoas à minha frente, todas aguardando sua vez, com celulares em punho para a selfie. Perto de mim, meu editor, alguns amigos, o staff da livraria, um garçom oferecendo água. Todos os olhares convergiam para onde eu estava, e então, casualmente, dei falta da minha bolsa, que estava apoiada no encosto da cadeira. Achei que alguém a tivesse guardado, mas não: ela foi furtada diante dos olhos de todos por uma gangue. As câmeras internas de segurança registraram a ação. Um homem e duas mulheres entraram na livraria apinhada, caminharam até onde acontecia a muvuca, e com uma ousadia bem ensaiada, fizeram um furto num ponto onde não haveria rota de fuga no caso de um flagrante – mas nada disso os intimidou. Foram bem-sucedidos não porque não houvesse ninguém olhando: foram bem-sucedidos porque todos estavam olhando – mas as pessoas só enxergam aquilo que esperam ver.
O inusual nunca está no script. Mas ele acontece, para o bem e para o mal, desmontando as nossas previsões. Estamos em plena vigência da experimentação da vida, com tudo o que ela traz e nos tira. Nossa obrigação? Manter os olhos abertos para além do previsível, e a alma preparada.
*Este texto já estava pronto quando soube da tragédia de ontem: para esse tipo de episódio inusual, nunca estamos preparados. Minha profunda solidariedade à família dos atletas e jornalistas falecidos, e um abraço muito especial aos amigos Georgete e Paulo Paixão.