A peça A reunificação das duas Coreias (em cartaz no Rio e que virá para o Porto Alegre Em Cena) é daquelas que a gente sai sem entender direito o que aconteceu. Vai compreendendo aos poucos, durante o trajeto entre a saída do teatro e a chegada em casa, talvez ainda sem saber se gostou ou não, mas reconhecendo que, de alguma forma, foi atingido. A montagem reúne 18 esquetes independentes contando rápidas histórias sobre relacionamentos. Os sete atores são ótimos. A direção de João Fonseca é empolgante. O texto do francês Joël Pommerat é aparentemente simples, o subtexto é que é potente: as palavras, no amor, mais atrapalham que ajudam.
Logo no início, uma das várias personagens interpretadas por Louise Cardoso sentencia: o amor é ainda mais bonito quando é complicado.
Foi dada a largada para o que virá: uma sequência de cenas meio reais, meio absurdas. Um casal se separa porque tudo entre eles é perfeito, porém não há amor. E outro se separa porque nada dá certo entre eles, mesmo havendo amor. O lógico e o ilógico flertando descaradamente na nossa frente.
O desejo simultâneo de ficar e ir embora – quem nunca?
Passar da adoração ao ódio em poucos minutos – quem nunca?
E tem as autodefesas. Aquele que esbraveja, amparado em seu ceticismo, que o amor não existe, que não passa de uma reação neuroquímica, sofre o diabo por causa dele, claro.
O medo que sentimos de pessoas 100% verdadeiras. Por que elas não entram no jogo e fingem como todo mundo? Nada mais estranho e amedrontador do que alguém que garante estar no controle de suas emoções.
Lidar com coisas que parecem (cantadas, confissões, insinuações), mas não são. Ou que são (cantadas, confissões, insinuações), mas não parecem. De deixar qualquer um doido.
Não por acaso, o que mais se houve em meio aos embates cênicos da peça é: “Você está louca!”, “Você é que é louco!”. Queremos nossa porcentagem nos royalties. Esse melodrama é nosso.
Quem se recusa a amar está se recusando a viver o jogo mais arrebatador da vida. De fato, é tudo uma maluquice, pois dois universos tão distintos (você e sua herança familiar, o outro e a herança dele) têm disparidades que deflagram inúmeros curtos-circuitos, e mesmo assim a gente tenta, a gente insiste, a gente acredita que pode ser feliz. E consegue, mas não o tempo todo. “Todo” e “tudo” são abstrações que perseguimos com a inocência que nos resta.
É assim, fazer o quê? São sempre dois birutas, um do norte, outro do sul, unindo-se com a intenção de alcançar alguma coesão nessa batalha perdida (love is a losing game), mas delirantemente apaixonante.
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