Um dos meus autores preferidos é Guy de Maupassant, mestre francês do conto, que li pela primeira vez ainda criança, em uma coleção de capa dura dos meus pais que até hoje temos na estante – agora promovida à condição de relíquia, já que o tempo não se faz sentir apenas no rosto da leitora, mas também nas capas e nas páginas dos livros.
Vários contos do volume nunca me saíram da cabeça, lidos e relidos ao longo dos anos. De uns dias para cá, não paro de lembrar de um deles, O Colar de Diamantes. Conhece?
Madame Loisel, jovem, linda e pobre, casou-se com um funcionário público de baixa patente por pura falta de opção. Estamos em Paris, na primeira metade do século 19, e não eram muitas as opções para as donzelas. Casar pontuava como a primeira, quase inevitável e mesmo desejável.
Pois Madame Loisel casou, mas não se conformou. Sofria por não frequentar ambientes requintados, soirées ilustradas, festas da alta burguesia. E isso que nem havia Instagram.
O marido, feliz com a vida conjugal, bem que tentava agradar a esposa, sem muito sucesso. Até que um dia ele ganhou um convite para um baile disputadíssimo do Ministério da Instrução Pública, onde trabalhava, e chegou em casa como quem leva um tesouro. Aposto que ia pela rua antecipando, hoje eu vou me dar bem.
Só que Madame Loisel teve um chilique. Como ela iria a um baile com os trapos que guardava no armário? Não julgo. Quem nunca? O marido então deu os 400 francos economizados por ele para comprar uma espingarda – sim, uma espingarda – para a mulher encontrar um belo vestido.
Parecia tudo tranquilo até que, um dia antes da festa, Madame Loisel deu outro piti. Como ela poderia se apresentar em sociedade sem uma joia? Ia parecer uma mendiga.
O marido, não muito ligado nas modas como sói acontecer com alguns maridos, sugeriu o uso de flores naturais no vestido, e obviamente levou um esculacho. Então lembrou de uma amiga rica da esposa, a Madame Forestier, e sugeriu que ela pedisse uma joia emprestada.
Foi o que Madame Loisel fez. Entre todas as preciosidades do cofre da amiga abonada, escolheu o colar de diamantes mais chamativo, que brilhava com toda a sua majestade em um estojo de veludo chique no último.
Nossa madame fez sucesso no baile, elogiada inclusive pelo ministro, e dançou até às quatro da manhã. O marido, que pegava às sete no batente, dormia em uma salinha junto com outros maridos.
Na saída, os dois caminharam batendo queixo até achar “um desses cupês noturnos que só são vistos em Paris depois do cair da noite, como se à luz do dia tivessem vergonha de sua miséria”. Antes de tirar a roupa de Cinderela, ela quis se olhar uma última vez no espelho. E cadê o colar?
Madame Loisel havia perdido o colar de diamantes. Depois de refazer o trajeto deles a pé, de não achar o cupê que os levou para casa e de se desesperar, o marido pediu que ela desse uma desculpa para a amiga, “diz que o fecho do colar estragou”, enquanto os dois pensavam em uma solução. A solução: recorreram a empréstimos, agiotas e venderam tudo o que tinham para comprar outro colar de diamantes por 36 mil francos.
Madame Loisel passou os 10 anos seguintes morando com o marido em um sótão e fazendo os serviços mais rústicos para ajudá-lo a pagar a dívida. Quando enfim quitaram a conta, a jovem fresca e sedutora que ela era tinha dado lugar a uma mulher triste e embrutecida. Que um dia, por acaso, viu Madame Forestier passando na rua e resolveu se aproximar para contar sua triste história.
Nesse ponto, deixo Guy de Maupassant terminar o conto.
“– Então, dizes ter comprado um colar de diamantes para substituir o meu?
– É verdade. Não percebeste nada, não? Era absolutamente igual.
E Madame Loisel sorria num júbilo orgulhoso e inocente. A senhora Forestier, comovidíssima, tomou-lhe ambas as mãos:
– Oh, minha pobre Mathilde! Mas o meu colar era falso. Valia no máximo quinhentos francos!”
...
Uma coluna para ficar no tema mais falado da semana, as joias. Com a diferença de que, aqui, a digital é a de um gênio, Monsieur Guy de Maupassant.
Cai o pano.