Ela ficava no ponto mais nobre da sala, com vista privilegiada para a televisão e ao lado de uma mesinha para apoiar copos e petiscos. Reclinava, balançava, tinha apoio para a cabeça, banqueta para os pés e, no mais das vezes, as crianças não deveriam chegar perto – mas claro que chegavam para reclinar, balançar e, volta e meia, estragar o mecanismo da coisa. Ela, a cadeira do papai, era uma atração dos lares brasileiros no tempo em que o homem reinava nos seus domínios.
Na minha casa, infelizmente, não havia uma cadeira dessas. Consultado a respeito, meu pai sequer considerou a hipótese de ter um trono para chamar de seu. A verdade é que ele pouco ficava na frente da televisão, ouvinte que era dos noticiários e jogos do Grêmio no rádio.
Aqui, um aparte tricolor: tomara que o PaiNato dê um presente para os pais gremistas neste domingo, já está na hora. Voltando ao tema da coluna, meus irmãos e eu sonhávamos com o dia em que o pai ganharia uma cadeira do papai, presente que seria desprezado por ele e, portanto, devidamente aproveitado por nós. Até uma escala com os horários de uso de cada um já estava pronta. Mas claro que ela nunca saiu do papel.
Já o meu avô tinha uma poltrona preferida e reservada. Depois do almoço, antes de voltar ao trabalho, era nela que o vô cochilava ouvindo as notícias no radião da sala. A poltrona dele tinha um guardanapo de crochê no encosto e o assento de couro já um tanto gasto pelos anos de uso, com certeza desde antes dos boletins extraordinários sobre a morte de Getúlio Vargas. Era uma poltrona proibida para os netos, a única que jamais veria farelos de bolacha ou algum doce derramado. E a gente mantinha distância mesmo. O respeito era bonito e conservava os dentes, como se dizia naquela época.
Hoje, em alguns anúncios de lojas de móveis, as cadeiras do papai ainda resistem, agora tecnológicas e caras. Agora elas fazem massagens, têm sistema de aquecimento, painel eletrônico e entrada USB. Um dos anúncios diz que o papai senta ali, liga a TV e esquece de tudo. Já pensou o perigo? O pai nunca mais é visto, a família dá queixa do desaparecimento e, um belo dia, alguém entra na sala e vê que ele está sentado na cadeira do papai há meses, esquecido de tudo. Não parece um bom argumento de vendas.
Não sei de nenhuma casa de agora com cadeira reservada para o pai no melhor lugar da sala. Pai que, ao menos é o que se espera, há muito deixou de ser o sujeito alheio à problemática da família, preservado dos pequenos perrengues pela esposa submissa, espécie de Supremo Tribunal Doméstico só acionado nos casos mais graves. A autoridade para quem a mãe guardava o maior bife e que já chegava trocando o canal da novela por outro chatíssimo, com programas sobre a reprodução das trutas ou um jogo aleatório de algum esporte mais ainda.
Bem melhor é ver o pai na cozinha, fazendo um almoço com a receita que ele mesmo inventou. No quarto, cantando para fazer o bebê parar de chorar, enquanto a mulher descansa um pouquinho. No banheiro, escovando os dentes dos pequenos. Na sala, fazendo o tema de casa com a filha. No colégio, participando da entrega das notas. Na praça, balançando três ao mesmo tempo sob um sol de lascar. No cinema, vendo a Barbie. Na vida, enfim, sendo muito mais que o pai decorativo que sentava em uma cadeira e ficava lá, imóvel, quase um objeto da sala.
Depois que o pai saiu da cadeira cativa para entrar na história da família, o Dia dos Pais ganhou muito mais motivos para ser comemorado. Muitos vivas para ele.