Ele disse que não foi por mal, coisa do calor da emoção – e de comum acordo. Mas quem vê o beijaço que o presidente da Federação Espanhola de Futebol tascou na Jenni Hermoso, jogadora campeã do mundo, tem lá suas dúvidas sobre o tal comum acordo.
Primeiro que o presidente saliente, Luis Rubiales, segurou a cabeça da guria de um jeito que, nem se ela quisesse, escapava daquela boquinha ardente. Isso depois de um abraçaço de corpo inteiro, desses em que cabe a um dos envolvidos – no caso, à moça – afastar a parte de baixo do próprio corpo para não encostar em órgãos alheios indevidos.
Está no vídeo: primeiro ele apertou a jogadora, depois grudou-lhe um beijo na boca. Ainda dá a impressão de que, na saída, Rubiales só não deu um tapa na bunda da Jenni porque se lembrou – milagrosamente – de que aquilo não era uma parrilla na garagem da casa dele, e sim um evento transmitido para o mundo todo. Mas que o mãozão do dirigente concupiscente pegou no terço final das costas da atleta, pegou.
Consta que a Jenni Hermoso entrou no vestiário reclamando do acontecido. A imprensa repercutiu na hora e, em lugar das imagens dela em um lance do jogo ou segurando a taça, foi a foto da Jenni sendo beijada pelo Calvo da Sangria que correu o mundo.
Isso, é claro, jamais aconteceria com um jogador homem. No máximo dos máximos, ele seria obrigado a usar um manto real bordado de fios de ouro, como o Messi teve que vestir para levantar a taça na Copa do Catar. E a gente já achou o fim da picada.
As reações contrárias à atitude do presidente inconveniente foram imediatas. O ministro do Esporte da Espanha classificou o fato como absurdo. A ministra dos Direitos Sociais perguntou: se fazem isso com toda a Espanha assistindo, o que não farão longe dos nossos olhos?
A deputada Martina Velarde, do Podemos, que na Espanha é um partido socialista, não passou pano. “Quantos Rubiales tivemos que aturar ao longo da nossa vida, quanta cumplicidade já aguentamos de camaradas e machões que os encorajam e defendem. Tantas situações incômodas e desagradáveis. Nojo”.
O presidente lascivo é reincidente em bandalheira. Pouco antes, tinha sido flagrado comemorando o gol da sua seleção ao lado da Rainha e de outros integrantes da realeza e do governo espanhol.
Nessa tribuna de honra, em que um mínimo de protocolo seria de bom gosto mesmo na alegria, Rubiales pulou, gritou e segurou o pinto como quem diz, ó o orgulho espanhol. Aí já merecia o cartão amarelo. Então veio o beijo na boca da Jenni Hermoso. Cartão vermelho para ele.
Diante do escândalo do presidente libidinoso, Jenni Hermoso se pronunciou através da Federação Espanhola de Futebol, o que não deixa de ser um tanto suspeito. Segundo a cartolagem, a jogadora declarou que “foi um gesto mútuo e totalmente espontâneo pela imensa alegria que dá conquistar uma Copa do Mundo”. Até a mãe da Jenni veio a público minimizar o ocorrido: “Elas são campeãs, isso que importa”.
Já Rubiales gravou um vídeo de supostas desculpas em que começa falando da alegria de vencer a Copa e emenda: “mas também há um incidente que tenho de lamentar, por tudo o que aconteceu entre uma jogadora e eu”. O cara de pau ainda dividiu com a Jenni a responsabilidade pela bola fora dele. E foi além: “não percebemos o que se passou, porque considerávamos algo natural, normal e sem qualquer má-fé”.
Se o beijo na boca foi assédio sexual, essas são as desculpas mais parecidas com assédio moral que eu já vi na vida.
A Espanha é a campeã da Copa do Mundo Feminina. Mas esse Rubiales, eita sujeitinho de décima divisão.