Depois de cada guerra / alguém tem que fazer a faxina. / Colocar uma certa ordem / que afinal não se faz sozinha. / Alguém tem que jogar o entulho / para o lado da estrada / para que possam passar / os carros carregando os corpos.
Ainda estava respondendo aos e-mails de leitores sobre a coluna da semana passada, que tratava de materiais recicláveis e era ilustrada com a foto da catadora que passou a faixa na posse presidencial, quando as imagens do quebra-quebra em Brasília interromperam o domingo.
Eram e-mails de cidadãos inconformados com a tal foto e, antes disso, com a própria posse. O adjetivo inconformados, aqui, usado como eufemismo para mal-educados e desbocados. Alguns até ameaçadores, o que chega a ser engraçado. Ameaçar alguém por uma coluna de jornal?
As cenas na televisão acabaram com a graça. O amor perdeu, os mais apressados poderiam pensar.
Alguém tem que se atolar / no lodo e nas cinzas / em molas de sofás / em cacos de vidro / e em trapos ensanguentados. / Alguém tem que arrastar a viga / para apoiar a parede, / pôr a porta nos caixilhos, / envidraçar a janela.
Fiquei pensando com qual sentimento meus leitores furiosos com o resultado das eleições assistiam àquelas cenas. Com a avidez de torcedores de MMA, talvez? Quebra mais, esfaqueia o Di Cavalcanti, destrói o gabinete do Xandão, bota fogo na bagaça toda? Com assombro, com censura, com repulsa? Melhor que o tiro saiu pela culatra.
Todos os setores da sociedade manifestaram apoio aos poderes atingidos. Todos os governadores largaram suas agendas e foram para Brasília. Eleitores ferrenhos do ex-presidente se mostraram horrorizados com a barbárie. E quem não se mostraria?
Não demorou, jornais e telejornais passaram a chamar os até então denominados vândalos pelo nome certo: terroristas. Não é de hoje que a pátria serve de desculpa para as maiores infâmias.
Às vezes alguém desenterra / de sob um arbusto / velhos argumentos enferrujados / e os arrasta para o lixão. / Os que sabiam / o que aqui se passou / devem dar lugar àqueles / que pouco sabem. / Ou menos que pouco. / E por fim nada mais que nada.
Existe muito a reconstruir e muito a se apurar, começando pela responsabilidade do governador com cara de boneca de louça – bem verdade que o governador do DF não tem culpa de ter nascido com aquela cara.
Personagens que se refugiaram na Flórida voltarão? Quem segue botando lenha na fogueira vai botar a viola no saco? As Forças Armadas farão o que faz qualquer funcionário quando muda a direção, trabalha e não bufa – se ainda quiser o emprego? Essa gente toda que se diz patriota seguirá chateando ou deu, acabou, daqui a quatro anos tem mais?
Era para ser um domingo de verão tranquilo, virou um recomeço democrático que nem de longe estava nos planos dos celerados que sacolejaram de diversos pontos do país para meter o terror em Brasília. Que paguem.
E que essa triste história termine como o poema Fim e Começo da grande – da imensa – poeta polonesa Wislawa Szymborska, do qual copiei alguns trechos aqui na coluna. Delicadeza sempre faz bem.
Na relva que cobriu as causas e os efeitos / alguém deve se deitar / com um capim entre os dentes / e namorar as nuvens.