Não sei no prédio de vocês, mas tenho observado que moradores, em geral, misturam de tudo ao lixo seco. Ou aos resíduos recicláveis, como bem nos lembrou a catadora Aline Souza, que entregou a faixa presidencial para Lula.
Chamar esse tipo de material de lixo pressupõe que o que foi descartado não tem valor, nem utilidade. Que é detrito, restolho, sujeira, até. Não é o caso dos recicláveis, que além de reaproveitados como matéria-prima, ainda garantem o sustento de muitas famílias, principalmente as chefiadas por mulheres.
Aliás, reciclar a cerimônia da posse foi um belo começo de governo. Agora é trabalhar para reciclar também o Brasil e a imagem do Brasil no mundo. Antes que alguém diga: sem corrupção, sem desvios, sem roubalheira.
Voltando à vaca fria. Alguém sabe o significado dessa expressão, “voltar à vaca fria”? Eu ignorava e fui pesquisar para dividir com as leitoras e os leitores que porventura não a conheçam.
A origem seria a expressão francesa revenouns à nous moutons, voltemos aos nossos carneiros, que vem de uma peça da Idade Média que trata sobre um roubo de, ora veja, carneiros. A certa altura, o advogado do ladrão começa a viajar na maionese e o juiz o adverte: voltemos aos nossos carneiros. A versão para o português acabou por transformar o carneiro em vaca, e fria, ainda por cima, por conta de um prato de carne fria que era servido antes das refeições.
Melhor parar por aqui para não complicar ainda mais esse aparte.
Voltemos à vaca fria.
Tenho me dedicado a um exercício de observação antropológica, descer e subir pelas escadas dos prédios para dar uma breve olhada no lixo colocado nas portas. Breve mesmo, porque em geral o lixo fica mal acondicionado, verdadeira visão — e cheiro — do inferno.
A coisa é feia. Embora se bata há anos na separação do lixo orgânico dos resíduos recicláveis, não é essa a realidade dos contêineres de coleta seletiva. Pobres das catadoras, que não precisam separar apenas o papelão do vidro das latas dos plásticos. Antes de chegar nessa parte, elas encontram todo tipo de mistureba.
Casca de banana com caixa de sapato.
Sobras de feijão com papel amassado.
Restos orgânicos não identificados (eca) com plástico.
Caldo de alguma coisa com isopor.
Papel higiênico com latinha de cerveja.
Sério que as pessoas misturam papel higiênico nos recicláveis? Sério. É só descer no contêiner do seu prédio para ver.
Dados de 2022. O Brasil gera 82 milhões de toneladas de lixo por ano e recicla apenas 2% desse total. Se reciclagem é indicativo de progresso, estamos lascados.
Quase um milhão de pessoas no país tiram sua subsistência da reciclagem. Desse total, mais de 70% são mulheres. É uma atividade dura e precarizada que ajuda a reduzir a emissão de gases do efeito estufa e colabora para o desenvolvimento sustentável. São muitas as cooperativas que fazem esse trabalho, e separar o que não serve mais do que pode ser aproveitado é uma maneira indolor, e que não custa nada, de colaborar com o sustento de um grande número de famílias.
Agora que o Brasil volta a ratificar tratados e retoma a proteção ambiental, inclusive para fazer novos negócios internacionais e trazer recursos, vale caprichar mais na separação dos resíduos em respeito a quem vive da coleta seletiva.
Parece pouco e é muito. A presença da Aline Souza na posse está aí para nos lembrar.