Foi meu filho quem reparou.
“Mãe, notou que para tudo tu tens um mas?”
Eu não havia percebido. Então, depois que ele falou, passei a prestar atenção no que eu me tornei: uma pessoa que diz mas.
O filme é interessante, mas o ator é péssimo.
O restaurante é ótimo, mas o atendimento é bem ruinzinho.
Entreguei o trabalho, mas podia ter ficado melhor.
Pintei o cabelo, mas acho que ficou muito claro.
Chegou a comida, mas veio fria.
Comprei um vestido, mas não caiu muito bem.
E, assim, ad infinitum.
Não sei em que momento me tornei essa pessoa. Sempre ouvi que eu era positiva, otimista. Talvez seja a idade, é mais fácil ser positiva e otimista aos vinte e poucos, trinta anos. Os problemas existem, apenas não parecem insolúveis na saúde e na juventude. Com um bom amor juvenil, nada é ruim o bastante.
Até a falta de dinheiro é menos dura quando existe colágeno.
Claro: tudo dentro da realidade branca e classe média. O parágrafo acima não se aplica, ou não de todo, a pessoas que nasceram em outro contexto. Antes que alguém pense, ih, começou o mimimi, não se trata disso. Só é preciso reconhecer os próprios privilégios e entender que a maioria absoluta da população está submetida a condições que a realidade branca jamais viveu nem vai viver.
Esta coluna é leve, mas não é alienada.
Voltando ao presente.
Nós, as pessoas que dizemos mas, não ficamos satisfeitas nunca. Por mais que se mexa, se invente, se vá atrás, se desdobre, se vire, sempre falta alguma coisa.
Pior que o mas não é usado apenas em desproveito próprio. Pessoas que dizem mas nem percebem que estragam a alegria alheia
Consegui o emprego, mas não era bem o que eu pensava.
Mudei de telefone, mas odiei o sistema.
Emagreci, mas fiquei flácida.
Casei, mas que tédio.
Tive o filho que eu queria, mas não durmo mais.
Mudei de apartamento, mas é muito barulhento.
Pior que o mas não é usado apenas em desproveito próprio. Pessoas que dizem mas nem percebem que estragam a alegria alheia. Gramaticalmente uma conjunção coordenativa adversativa, o mas é também uma crítica – muitas vezes, fora de hora – , uma bola nas costas, um sinal de azedume, uma demonstração de maus bofes. É o elogio com um contrapeso incluído.
Gostei do teu cabelo, mas preferia como era antes.
Teu churrasco é bom, mas tem muita gordura.
Gostei do teu livro, mas o final podia ser melhor.
Tua ideia é ótima, mas eu faria diferente.
Pode sair com essa camisa, mas a outra é mais bonita.
Agora que me reconheci uma pessoa que diz mas, tentarei diminuir o adversativo não nas minhas frases, mas nos meus pensamentos. Ainda que não seja fácil, porque o adverso tem nos acompanhado em praticamente todos os dias deste ano.
Não sei se vai dar certo. Mas assim como cheguei ao fim deste texto sem usar qualquer mas que não fosse de efeito, digamos, cenográfico, vai que consigo ficar limpa de tanto mas também na vida?