Uma série que quase ninguém viu, mas já ouviu falar. Papai Sabe Tudo começou no rádio e virou sucesso na TV nos anos 1950. Típica família norte-americana tinha no pai a solução para todos os seus problemas. E, de fato, nosso herói destrinchava qualquer perrengue até o final feliz de cada episódio, isso depois de trabalhar o dia inteiro como corretor de seguros. Papai incansável e infalível.
Corta para os anos 1970. Família de Porto Alegre, quatro filhos, a mãe dedicada ao lar doce lar e o pai dando um duro danado para sustentar a turma. Com três empregos, chegava tarde todas as noites. No domingo, única folga, precisava descansar. Se possível, o que em geral não acontecia, sem a filharada chateando. Em uma família assim, igual a tantas outras, a mãe segurava a onda. Quem sabia tudo era ela.
Mil desculpas aos ambientalistas, mas ninguém se preocupou tanto com o desperdício quanto ela. Nada ia fora, tudo a mãe reciclava.
E sabia mesmo. A mãe - não a minha, nem a sua, mas a entidade - foi a primeira pessoa a pensar de forma sustentável na face da Terra. Mil desculpas aos ambientalistas, mas ninguém se preocupou tanto com o desperdício quanto ela. Nada ia fora, tudo a mãe reciclava. A carne assada virava guisado e depois ia rechear o bolo de batata, saudoso antepassado do escondidinho. Legumes reencarnavam como sopa. Arroz voltava como bolinho, o feijão de hoje já vinha predestinado a ser o feijão mexido de amanhã. Na lata em cima da mesa da cozinha, pão torrado - que, em casos extremos, a mãe transformava em pudim. Pudim de pão, um passo que não precisava ter sido dado na reciclagem de alimentos. Existe muito, muito mais. Faltam espaço e memória para resgatar tantos reaproveitamentos.
A administração da mãe não admitia desperdícios em nenhuma área. Na de serviço, por exemplo, a roupa era estendida de um jeito que otimizava (verbo que só apareceria bem depois) cada milímetro da corda, e com prendedores compartilhados. Aquilo que rola lá em casa, mais camisetas que varal, jamais acontecia. O sabonete em uso nunca terminava, ia recebendo outros restos até se transformar em uma massa disforme, multicolorida e com cheiro de nada. Mas ainda fazia espuma, então servia. Nem os palitos de fósforo iam fora. Depois de apagados, ficavam em um cinzeirinho perto do fogão, levando o fogo de uma boca para outra. Alguém que se preocupava em reaproveitar os palitinhos já estava pensando muito, muito à frente.
E quanto filho não foi um hipster pioneiro graças à sua mãe? Azar se o Clodovil recomendasse pantalonas, o caçula vestiria a calça justa herdada do mais velho enquanto o botão fechasse na cintura. Depois virou tendência usar roupa fora da tendência para ela se transformar em tendência. Mas na hora era brabo.
Mamãe sabia muito e, sem menosprezar papai, continua sabendo. Cada vez que manda apagar a lâmpada do cômodo vazio ou pede para dar um tempo no ar-condicionado (pudera, com a luz pela hora da morte). Cada vez que apressa alguém no banho ou briga porque descartaram restos de comida no lixo seco. Cada vez que reclama de quem não limpou o prato - olho maior do que a barriga é crime inafiançável nesses dias. Cada vez que passa uma descompostura em quem estraga e suja. Mamãe sabe tudo. Olhando em volta, olhando o mundo: por que será que a gente não aprendeu com ela?
***
Quem teve aulas inesquecíveis com o professor Cláudio Moreno e quem aprendeu com ele nas saudosas noites do Sarau Elétrico, agora pode continuar a formação. Já está no ar o podcast Noites Gregas, com o Moreno falando de mitologia daquele jeito que prende a gente até o ponto final. A cada semana, um episódio novo em noitesgregas.com.br e nas plataformas de streaming. Depoimento de outro profe preferido aqui da casa, o Luís Augusto Fischer:
- Imperdível. Assine, escute, mostre pras crianças e pros velhinhos. Dê de presente para si mesmo. Diversão garantida, uma massagem no cérebro, uma aeróbica para a imaginação. De inhapa, ainda se ganha o prazer de lembrar como é bom ouvir, ouvir, prestar atenção.