Minha irmã acaba de ser operada pelo SUS. Sem plano de saúde, uma cirurgia como a dela não sairia, sendo otimista, por menos de R$ 60 mil - dinheiro que ela não tinha. Quem não paga plano de saúde é porque não consegue sustentar uma mensalidade que já é alta e que vai aumentando junto com a idade do cliente. Existe algo de muito errado nessa conta ou é impressão minha? Sem convênio, o jeito foi recorrer ao SUS.
É essa mesma saúde, essa que a minha irmã ganhou de presente, que desejo a todos nós nesse Natal. Já dizia o sábio Paulo Cintura: saúde é o que interessa, o resto não tem pressa. Até tem pressa, sim. Mas só com muita saúde para correr atrás.
Fato é que a minha irmã passou por toda a via-crúcis que a gente conhece, nem que seja pelas páginas dos jornais. Vai ao posto de saúde, marca consulta com o clínico, é encaminhada para o especialista, tem o diagnóstico, espera, espera, espera, espera. Entre a primeira consulta e a cirurgia foram dois anos em que a doença piorou. E olha que dois anos é um tempo bem razoável para quem entra em uma fila do SUS. Há os que ficam nela pela vida inteira. Há os que morrem antes de ser chamados. Só dois anos, as pessoas comentaram, bota sorte nisso.
Esta coluna deveria começar no momento em que a minha irmã recebeu o telefonema com a informação de que baixaria no dia tal para ser operada na manhã seguinte. Porque, a partir desse instante, se era saúde pública ou particular, ninguém percebeu. O hospital foi o Independência, 100% SUS e especializado em Ortopedia e Traumatologia. Em todas as vezes em que estive lá, chamou a atenção o entra e sai de ambulâncias da SAMU com motoqueiros quebrados e outras vítimas de acidentes, muitos domésticos. A senhora que tropeçou na gatinha. O marido que prendeu o pé no tapetinho de crochê da sala. Aliás, segundo uma enfermeira, tapetes e paninhos pelo chão das casas são, quase literalmente, tiro e queda. Um dia, com maior ou menor gravidade, alguém acaba escorregando neles. É pior do que skate.
Depois da cirurgia, minha irmã teve todos os cuidados de UTI e começou a fisioterapia ainda no hospital. Embora com uma equipe pequena pelo tamanho e a complexidade da bronca, a turma do Independência se desdobra para atender a todos os pacientes. É uma trabalheira insana. Tudo pelo SUS - que é, não por acaso, o maior sistema público e universal de saúde do mundo. Imagine se tivesse um orçamento compatível com o tamanho e as necessidades da população brasileira.
A má notícia é que as verbas vão encolher. A partir de 2020, as cidades brasileiras receberão recursos referentes apenas aos habitantes cadastrados em suas unidades básicas de saúde. Desde a criação do serviço, em 1988, os recursos eram repassados com base na população total calculada pelo IBGE. Não precisa ser um crânio para ver o estrago que isso vai causar. O Ministério da Saúde estima que R$ 290 milhões deixarão de ser repassados no ano que vem, mas os Estados e municípios sabem que será muito mais. Um corte absurdo onde não se pode cortar. É por isso que os postos e os trabalhadores da saúde estão pedindo para que a gente passe em um posto e faça um cadastro. Até eu e você, que não usamos o SUS. É um ato de solidariedade que não custa nada. Ainda mais em tempos de corações predispostos a fazer alguma coisa pelos outros.
É essa mesma saúde, essa que a minha irmã ganhou de presente, que desejo a todos nós nesse Natal. Já dizia o sábio Paulo Cintura: saúde é o que interessa, o resto não tem pressa. Até tem pressa, sim. Mas só com muita saúde para correr atrás.