Gosto de fazer associações. Para tudo na vida. Um dos momentos em que mais exercito essa minha paixão é viajando. É o momento em que somos submetidos a um montão de novas informações e ficamos tentando estabelecer uma relação entre elas e coisas do nosso dia a dia. Por isso, digo que em determinados aspectos o Texas é o Rio Grande do Sul americano. Desde o bairrismo, a força da produção rural, o sotaque, o jeitão meio caricato, a fronteira com um outro país logo abaixo e, principalmente, a paixão pela carne.
Dentro desse último tema, Austin é a cidade qua mais se destaca, não apenas pela quantidade de opções como também pela originalidade de todas essas casas, que servem o legítimo Texas Barbecue. Tempos atrás surgiu um carinha muito esquisito que começou a pilotar uns assados dentro de um trailer numa esquina da cidade. O nome dele é Aaron Franklin e ele ficou conhecido por ser um assador obcecado pelo cozimento lento de suas carnes. Hoje o Franklin Barbecue não é mais um trailer, mas ainda fica no mesmo lugar, e, independente do dia em que você passe por lá, irá se deparar com uma fila de pelo menos duas horas de espera.
Vale a espera? Lógico que vale, ninguém chega lá e é pego de surpresa tipo "ah, que droga, tá lotado". Todo mundo que decide almoçar lá já sabe que é isso aí, e para ir embalando já compra cerveja na fila e vai fazendo amizade. Todo mundo entra, mas apenas alguns garantem a joia da coroa, que é o Brisket, um corte bem característico da região e que é a especialidade do Frank. Casualmente, fui o último na fila a garantir o meu.
Antes de entrar, pude fazer uma reflexão sobre esse amor por filas que o americano tem. Não sei qual é a estratégia disso, queria entender. Tudo é na base da fila, e quando nego acha que tá chegando, tem mais uma fase pela frente. Pelo menos eles são simpáticos e fazem piadinha com esse lance da espera.
Vou te dizer também que tem um lance de alinhamento de expectativa. Ao entrar na fila, o cara já tá careca de saber que demora, que é pelo menos duas horas. Daí vem a mina simpática vender cerveja dizendo que é pra ter paciência porque tá demorado, daí vem a outra caipira me entregando o cartaz de "last man standing" pra loucura dos que chegaram depois, etc. Mas te digo que, do momento em que chegamos até a porta, demorou pouco mais de uma hora. O que deveria ser um drama, foi motivo de festa.
Entrar no restaurante não significa sentar, levantar o dedinho, chamar o garçom e mandar baixar. Slow down, champ. Tem mais fila lá dentro, e só pode sentar com a comidinha nas mãos. Relaxa que tá chegando, não há com o que se preocupar, nas minhas fatias de Brisket ninguém toca.
Aqui lembrei muito da galera que gasta um caminhão de dinheiro decorando restaurante, etc e tal, e esquece que o mais importante é ter um propósito, contar uma história. É por isso que o Frank atende em média 3 mil pessoas por dia, do primeiro da fila até o sold out (que se dá religiosamente durante o dia, nunca chegou à hora do jantar). É isso que motiva esse povo a viajar de longe para conhecê-lo, e não pela sua "decoração", nem incentivado por assessoria de imprensa, muito menos para encontrar ex-BBB.
A tão esperada hora está logo ali, reflita sobre seus pedidos e tenha-os na ponta da língua. Sempre lembro também de não dar uma de espertalhão e inventar moda nessa hora, por isso que tenho o hábito de olhar na volta e avaliar direitinho o que o povo tá comendo, pra ver a cara que as coisas têm.
Fugi do tema para talvez explicar a representatividade do Franklin nos EUA. Mas segui exatamente a minha narrativa, pois fui tendo esses estalos justamente nessa ordem dos fatos, até que me deparei com o menu do dia (hahah!) diante dos meus olhos. Obrigado, Deus, só o Senhor sabe o tanto que esperei por esse momento.
Opa, adoro esse famoso conceito de cozinha à vista, acho über moderno, trend setter, diferentão, descolado, fora da caixa, Perestroika, vai-lá-e-faz. Pra gente vai ser o seguinte professor, Brisket bem fatiado finamente do lado menos gorduroso, e uns ossinhos de Pork Ribs também, fazendo o favor. Sai na hora, ou tem que esperar ficar pronto? Tá, não vou fazer brinks numa hora dessas porque vai que o tio me bota no final da fila de castigo, não quero correr riscos agora.
Enquanto ele corta nossos Pork Ribs, me alcança aí o meu Omeprazol, o Estomazil e aquele da pressão também, pra sobremesa. Deixa eu já ir abrindo o botão da calça pra ficar mais suave, servir meu refri da máquina e já providenciar pimentas, molhos e fatias de pão pra limpar os restinhos. Sempre limpo os restinhos com pão, acho que é uma questão de respeito com o assador. Limpe sempre os restinhos também, principalmente quando eu estiver fazendo o churrasco para você.
Lembra do que eu falei antes, sobre o propósito, a causa, a narrativa, de ter um porquê? Nesse momento, um lugar com alma não é julgado por servir assim, porque faz parte da história dele, tá dentro de um contexto. Ele não precisa surpreender ninguém com um prato caríssimo, o destaque aqui é a comida. Que, diga-se de passagem, foi apreciada com as mãos com todo o amor do mundo, muito embora tivesse a opção de usar talheres.
Tá vendo aquele esquisitão ali de óculos, com cara de geek? É o Frank, e assim como essa família, o Presidente Obama, Anthony Bourdain, o Tiger Woods e a Oprah Winfrey tietaram de igual maneira. E não perderam o sono, nem xingaram muito no Twitter, em função do suposto mau gosto do decorador contratado pelo cara. Muito antes pelo contrário, eles todos publicaram suas fotos com ele nas redes sociais falando sobre o almoço histórico que tiveram.
Nada como a tal experiência, tão fácil de ser transmitida quando tratamos com a verdade. Tenha um propósito, cozinhe direito e esqueça todo o resto. As pessoas que trabalharão com você não estarão apenas cumprindo um roteiro, elas são parte da sua causa. Os clientes que forem até lá não estarão lá para se "alimentar", eles são parte da sua causa. Esta é a diferença entre ter uma empresa e ter uma marca. A empresa não tem uma causa, a marca tem. Ninguém se importa de investir 30 dólares por pessoa numa marca que admira. E a fila nem demora tanto assim!
Franklin Barbecue
900 East 11th - Rosewood
Austin - Texas - EUA
Fone: (512) 653-1187
Aceita todos os cartões
www.franklinbarbecue.com