Na última semana, uma comédia de gosto duvidoso dos anos 1990 completou 25 anos. Trata-se de Kazaam, produção estrelada pelo ex-astro do basquete Shaquille O'Neal. O filme, que foi detonado pela crítica especializada na época de seu lançamento e fez uma baixa bilheteria, provavelmente, seria esquecido com o passar do tempo. Porém, ele é uma peça importante de uma teoria que ganhou grandes proporções.
Com o passar dos anos, diversos relatos começaram a surgir na internet de pessoas que juravam de pés juntos que, na verdade, o filme que elas assistiram décadas atrás chamava-se Shazaam e que era estrelado pelo comediante Sinbad. Inclusive, muitos acusavam Kazaam de ter plagiado o longa, que os fãs diziam ser de 1994. A produção, porém, nunca existiu. Esta confusão generalizada tomou uma proporção tão grande que o próprio Sinbad precisou vir à público confirmar que nunca estrelou nenhum filme chamado Shazaam, em que ele interpreta um gênio que concede desejos a duas crianças.
Este é apenas um caso do chamado Efeito Mandela.
Mas, afinal, o que é isso? Fiona Broome, pesquisadora de fenômenos sobrenaturais norte-americana, acreditava que Nelson Mandela havia morrido durante a década de 1980, na prisão. Porém, nos anos 2000, ela descobriu que, na verdade, o líder e ex-presidente sul-africano continuava vivo. Ele morreu em 2013, aos 95 anos, de uma infecção pulmonar.
Poderia ser apenas falta de informação, é claro. Mas, durante uma ida a Comic-Con, uma famosa convenção para o público geek, ela comentou com outras pessoas sobre o estranhamento causado ao descobrir que Mandela ainda estava vivo em 2010. E, para surpresa da pesquisadora, diversas outras pessoas afirmaram que também tinham a lembrança de que o líder sul-africano havia morrido décadas antes.
E não parou por aí: no mesmo evento, Fiona ainda descobriu outros exemplos de memórias coletivas que, na verdade, nunca aconteceram, como episódios da série Star Trek que pessoas diferentes contavam detalhes, apesar de não haver registros de que eles tenham sido produzidos. Assim, a pesquisadora criou o termo Efeito Mandela, que busca explicar essas lembranças coletivas de momentos que não existiram.
Exemplos do Efeito Mandela na cultura pop
"Luke, eu sou o seu pai"
Uma das mais emblemáticas frases da saga Star Wars, na verdade, nunca foi dita desta maneira. Na cena em que Darth Vader revela para Luke Skywalker quem ele realmente é, em O Império Contra-ataca (1980), o vilão responde ao mocinho, que o acusava de ter matado o seu pai, dizendo:
— Não, eu sou seu pai.
Viu? Nada de "Luke" na frase original.
O rabo do Pikachu
Fenômeno desde os anos 1990, Pokémon conquistou uma legião de fãs e, entre as centenas de monstrinhos mostrados na franquia, o Pikachu é o mais famoso. O fofo companheiro de Ash, porém, também faz parte de um episódio do Efeito Mandela: diversos fãs, em fóruns da internet e convenções, garantem que o rabo da criaturinha possui uma faixa preta em seu fim. Esse detalhe, no entanto, nunca existiu.
"Espelho, espelho meu"
Branca de Neve e os Sete Anões, primeiro longa-metragem de animação dos estúdios Disney, lançado em 1937, teve como uma de suas frases mais célebres o questionamento feito pela Rainha Má ao Espelho Mágico:
— Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?
Pois bem, na animação, esta frase nunca é dita. A fala correta da Rainha Má é:
— Fala, mágico espelho meu, quem é mais bela do que eu?
A primeira frase até é dita pela Rainha Má no conto original, escrito pelos Irmãos Grimm, mas na adaptação da Disney, mesmo estando muito clara na memória de várias pessoas, ela nunca é citada.
C3-PO todo dourado? Negativo...
Em Star Wars: Uma Nova Esperança (1977), muita gente garante que C3-PO é todo dourado. Porém, o androide possui uma perna prateada. Sim. Nos últimos anos, vários fãs levantaram a questão na internet, questionando o motivo da cor da perna do robô ter mudado no filme, mas, na verdade, ela sempre foi assim. Estranho, né?
"Toque de novo, Sam"
Uma das frases mais marcantes de Casablanca (1942), constantemente presente nas mais diversas referências sobre o clássico filme, nunca foi dita desta maneira.
— Toque de novo, Sam — teria dito Rick Blaine (Humphrey Bogart) ao pianista Sam (Dooley Wilson).
Mas, um dos momentos mais românticos do cinema não existiu. Pelo menos não como as pessoas se lembram. Os personagens de Ingrid Bergman e Humphrey Bogart, durante o filme, dizem algumas variações da célebre frase ao pianista da boate que está relutante em tocar a música As Time Goes By.
— Toque uma vez, Sam, pelo amor dos velhos tempos... Toque, Sam. Toque As Time Goes By — diz, em determinado momento, Ilsa Lund (Ingrid Bergman).
Rick Blaine chega mais próximo da frase que todos se lembram, mas que nunca foi dita, quando reclama para Sam:
— Você tocou para ela, você pode tocar para mim... Se ela pôde suportar, eu posso. Toque!
We Are the Champions
Uma das músicas mais famosas da banda Queen termina, obviamente, com a seguinte frase: "No time for losers, 'cause we are the champions... of the world!". Mas, e se, na verdade, não for assim?
Freddie Mercury até chega a cantar essa parte, mas na metade da música. No final, porém, o "of the world" fica de fora. No vídeo abaixo, oficial da banda, você pode tocar para o fim e, com certeza, vai sentir uma sensação de que a canção está incompleta. Mas ela é assim, inclusive, no álbum do qual faz parte.
Dragon Ball Z, TV Globinho e o 11 de Setembro
Esta contribuição aos estudos do Efeito Mandela é exclusiva dos brasileiros. Em 2001, o mundo parou para acompanhar, pela televisão, um dos maiores atentados terroristas da história, os ataques ao World Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos.
Por aqui, muitas pessoas conseguem contar em detalhes o que estavam fazendo no horário em que a programação normal das emissoras de TV foi interrompida para transmitir os ataques de 11 de Setembro. E uma história é comum entre as narrativas: muitos afirmam que estavam assistindo ao desenho Dragon Ball Z quando o Plantão da Globo cortou o episódio em questão.
E essas pessoas ainda conseguem ser mais específicas: a TV Globinho foi interrompida quando uma cena emblemática da animação estava passando, quando Goku estava reunindo forças para atingir o terceiro nível Super Saiyajin. Você também lembra assim?
Pois bem, é uma memória falsa. Em 11 de setembro de 2001, o desenho sequer foi exibido. Dragon Ball Z entraria no ar por volta das 11h15min e os ataques aconteceram pouco depois das 9h. O primeiro Plantão da Globo aconteceu por volta das 9h50min e, na hora, o que estava sendo exibido era... Garrafinha. Depois, por volta das 10h, a programação foi interrompida pra focar na cobertura jornalística. Ou seja, nada de Goku.
Ah, e naquela época, a TV Globinho era um quadro dentro do programa Bambuluá, comandado pela Angélica...
Shazaam, o filme que nunca existiu
Como detalhado lá no começo do texto, a comédia Shazaam nunca foi filmada. Porém, diversas pessoas afirmam que assistiram ao filme nos anos 1990. Por sinal, pipocam na internet, principalmente nos fóruns do Reddit, materiais como cartazes e imagens do filme, que tentam "provar" que o longa existiu.
Também como mencionado anteriormente, o próprio Sinbad veio a público explicar que a produção nunca existiu. Porém, ciente desta confusão, a Warner Bros. chamou o comediante para participar da divulgação do segundo filme da franquia Shazam!, super-herói da DC Comics. Neste filme, sim, ele faz parte do cartaz promocional. O diretor, porém, não confirmou se ele estará no elenco... Dando brecha para novas confusões!
As explicações
No Twitter e nos fóruns da internet, o tema Efeito Mandela nunca deixa de ser comentado e novos casos são constantemente trazidos à tona. Mas, afinal, o que pode explicar esse fenômeno? Em suas pesquisas, Fiona Broome deparou com duas teorias bizarras.
A primeira diz que existe um multiverso e que nós transitamos de um universo para outro sem perceber. Assim, fatos cotidianos acontecem de maneiras diferentes em cada uma dessas realidades. Com essa explicação, Nelson Mandela poderia mesmo ter morrido nos anos 1980, o Plantão da Globo realmente teria interrompido Dragon Ball Z e Shazaam poderia ter sido feito, mas em um universo diferente.
Mas e se a humanidade for uma simulação de computador realizada por máquinas que teriam nos criado? Essa é a especulação feita pela segunda teoria levantada pela pesquisadora. Nesta possibilidade, as memórias falsas seriam falhas digitais, "um bug na matrix". O famoso astrofísico Neil deGrasse Tyson diz que existe 50% de chances da humanidade estar vivendo em uma simulação.
Fiona Broome ainda lançou o livro The Mandela Effect — Theories and Explanations (O Efeito Mandela — Teorias e Explicações, em tradução livre), no qual fala sobre o tema. Além disso, a pesquisadora também possui um site dedicado ao assunto, em que ela aborda diversos dos exemplos citados acima.
Menos radicais, outras possibilidades dão conta que diferentes traduções ou versões de uma determinada obra, com pronúncia ou forma de escrever semelhante, possam colaborar para a criação das memórias inexistentes. Paródias humorísticas também podem acabar influenciando as lembranças falsas. Assim, a psicologia acredita que o cérebro acaba criando essas memórias falsas a partir de fatos e informações deturpadas.
E aí, você já teve uma lembrança falsa que se encaixa no Efeito Mandela?