Assim como ocorre com alguns filmes, há séries que não sobrevivem ao teste do tempo ou passam a enfrentar uma ótica mais crítica. À medida em que ocorrem transformações sociais, o que pode ser natural em uma época acaba sendo questionado em outra.
Alguns podem considerar injusto aplicar a régua de 2021 para séries de décadas anteriores. Tratava-se de outro contexto. Apesar do consumo mais crítico, as produções podem continuar tendo seu valor e divertir o público. Mas vale lembrar os "poréns".
Confira atrações que carregam alguns desses "poréns".
Friends (1994-2004)
Uma das séries de maior sucesso de todos os tempos, com uma legião de fãs apaixonados. Sem dúvida, uma das atrações televisivas mais influentes da história. Mas isso não faz com que Friends sobreviva impune ao teste do tempo.
Ex-integrantes do elenco concordam: em 2020, Maggie Wheeler, atriz que interpretou Janice, disse em entrevista ao The Independent que Friends é "incrivelmente retrô". Ela justificou também que não se pode "criar uma série com consciência sobre o futuro".
Alguns exemplos: Friends trazia piadas gordofóbicas com Monica (Courteney Cox), quando a personagem estava acima do peso. O pai de Chandler é trans, sendo interpretada pela atriz cis Kathleen Turner, alvo de várias piadas transfóbicas. Também há piadas lesbofóbicas com Carol (Anita Barone), ex-esposa de Ross (David Schwimmer). Outros problemas que a atração acumula envolvem sexismo, machismo, estereótipos de gênero, masculinidade frágil, ausência de diversidade, por aí vai.
How I Met Your Mother (2005-2014)
Uma série que segue a cartilha de Friends até nos defeitos: há transfobia, homofobia, gordofobia, sexismo, relações tóxicas, machismo, entre outros exemplos negativos. Até um dos melhores personagens da sitcom é problemático: Barney Stinson (Neil Patrick Harris) manipulou Robin (Cobie Smulders) emocionalmente, gravava as pessoas que iam ao seu quarto sem consentimento e comentava com naturalidade sobre a vez em que vendeu uma mulher em troca de uma Mercedes.
Two and a Half Men (2003-2015)
Na teoria, é aquela sitcom para o público assistir e dar umas risadas descompromissadas. Algo bastante necessário em certos dias, diga-se de passagem. Mas tem o porém: sexismo, machismo e misoginia eram constantes na atração. Para alguns fãs, o protagonista Charlie Harper (Charlie Sheen) vivia uma utopia do homem branco heterossexual.
Até que em uma temporada, já sem Sheen, os protagonistas Walden Schmidt (Ashton Kutcher) e Alan Harper (Jon Cryer) fingiram ser gays para adotar uma criança, com direito a casamento e beijo. Muitos fãs ficaram indignados. Nas redes sociais, houve quem se queixou que era o fim de seu "entretenimento hétero".
Modern Family (2009-2020)
Não é que a sitcom toda tenha envelhecido mal. Aliás, continua sendo uma ótima opção como comédia leve. Porém, suas primeiras temporadas contabilizavam momentos que não eram tão modernos assim. Pelo menos, com o tempo, a atração foi evoluindo em algumas questões.
O casal formado por Mitchell (Jesse Tyler Ferguson) e Cameron (Eric Stonestreet) sequer se tocava ou demonstrava afeto, ao contrário dos demais pares da atração. A série até tentou colocar a culpa dessa falta de carinho em Mitchell, algo que seria de família.
Gloria, interpretada pela atriz colombiana Sofia Vergara, segue, em grande parte do seriado, o estereótipo reducionista da latina sexy e escandalosa. Embora tenha destacado todos os desafios que a personagem enfrentou para criar seu filho e sobreviver nos Estados Unidos, a série também insistia nas piadas de Gloria como um troféu de Jay (Ed O'Neill) ou como alguém que aproveitou o casamento com um homem rico e mais velho.
Eu, a Patroa e as Crianças (2001-2005)
Sucesso com o público brasileiro — que se acostumou a ver Michael Kyle (Damon Wayans), principalmente, no SBT —, a sitcom tem seus problemas com o protagonista um tanto tóxico. Especialmente pelo machismo: seja na educação com as próprias filhas ou com a esposa, Jay (Tisha Campbell-Martin), que em um episódio ele chega a tentar proibir de estudar. Para o personagem, ela deveria se limitar a cuidar da casa.
Em outro momento, Michael faz comentários gordofóbicos sobre Jay, que levam a mulher a iniciar uma dieta com o objetivo de agradá-lo.