Ginny & Georgia não é Gilmore Girls — o que é surpreendente, considerando o quanto as suas premissas compartilhariam em um diagrama de Venn. Nas duas séries, a história se desenrola a partir de mães adolescentes que, aos 30 e poucos anos, se veem criando outras adolescentes. Mais do que isso: do pai ausente, mas descolado, ao dono de café subestimado, mas com bom coração, parece que nenhum detalhe que fez Gilmore Girls especial fica de fora do novo lançamento da Netflix.
Exceto que, onde a série de Amy Sherman e Daniel Palladino era doce, Ginny & Georgia deixa um gosto amargo. Não que seja necessariamente um demérito. Ao tomar para si questões relevantes no debate contemporâneo, como racismo, violência e feminismo, a produção mostra uma faceta que a maior parte dos seriados dos anos 2000 ficou devendo: a da consciência social.
Já nas cenas iniciais qualquer expectativa de uma reprise da relação entre Rory e Lorelai é frustrada quando Georgia (Brianne Howey) surge na tela. Ela é uma extravagante loira, com um forte sotaque sulista, pronta para usar o poder que sua aparência tem sobre os homens em seu favor. Ginny (Antonia Gentry), por sua vez, é uma adolescente séria e que vive alguns conflitos por ser filha de mãe branca e pai negro.
As duas podem até emular a alegre relação entre mãe e filha da série original (“Somos como as Gilmore Girls, mas com peitos maiores”, lança Georgia no capítulo um), mas assim que um policial se aproxima de Ginny e a mãe dela mostra sua capacidade, como mulher branca, de evitar um embate, fica claro que há um abismo entre elas que nenhuma das duas nunca será capaz de atravessar completamente.
— Isso foi racista, certo? — questiona Ginny, e Georgia não nega.
Transgressão
Isso tudo não toma mais do que os primeiros 15 minutos da série. Dai para frente, o que se desenrola pelos próximos nove capítulos e meio é uma trama muito mais próxima ao universo de Shonda Rhimes do que de Sherman-Palladino. O que não deixa de fazer sentido, considerando que a roteirista Sarah Lampert, cuja o primeiro grande trabalho é essa série, cresceu em um mundo dominado por títulos como Scandal e How To Get Away With Murder.
A ação começa com Georgia, Ginny e seu irmão mais novo, Austin (Diesel La Torraca), deixando o Texas para trás após a morte do padrasto das crianças. Eles esperam recomeçar a vida em um subúrbio de classe média alta em Massachusetts, perto de Boston, usando a generosa quantia que a viúva herdará.
Enquanto os jovens se adaptam à nova escola, Georgia começa a mostrar sua engenhosidade para conseguir um bom emprego. Se no início suas escolhas parecem mostrar um caráter no mínimo flexível, logo fica claro que seu comportamento é menos uma porção de transgressões inofensivas do que estritamente criminoso.
Uma grande dose de flashbacks, distribuídos ao longo da temporada, parece argumentar que a protagonista é nada mais que um produto do seu meio. Após uma vida de abuso, negligência, violência, o que poderia essa mulher fazer que não tomar o controle da própria vida, a partir de qualquer meio possível?
É o que leva à questão que assombra Ginny a cada episódio: ela quer seguir os passos de Georgia e dominar o mundo, ao invés de se abrir a ele? Ou aceitar ser vulnerável, abrindo caminhos para a amizade e o amor? Como toda garota de 15 anos, afinal, ela venera a própria mãe tanto quanto a detesta.
Acima de tudo isso ainda há as camadas de insegurança e inexperiência que amaldiçoam qualquer jovem. Pressão das redes sociais, distúrbios de imagem, automutilação, depressão, sexualidade e drogas: há tudo isso na vida de Ginny também. Porém, são ideias sempre manchadas por aquela questão inicial: isso foi racismo? Onde termina sua identidade e começa a sua raça?
E se tudo isso parece muito para uma série de 10 episódios é porque, de fato, é. O ritmo é praticamente convulsivo, com a maioria dos assuntos mal recebendo a atenção que merecem, enquanto há tramas para alimentar três temporadas de uma produção menos ambiciosa.
Entretanto, considerando o sucesso que Ginny & Georgia conquistou apenas na primeira semana online, é fácil imaginar que o título ganhará ao menos mais uma temporada para acertar seus ponteiros e, com sorte, amadurecer.