Assim como nos contos de fadas, as dificuldades do casal apaixonado até chegar ao “felizes para sempre” estão presentes na quarta temporada de The Crown. A partir deste domingo (15), na Netflix, a premiada série deve cativar os espectadores com os bastidores do conturbado relacionamento da princesa Diana (interpretada por Emma Corrin) e do príncipe Charles (Josh O’Connor). Mas o casamento que encantou o mundo em 1981 não terminou como nas fábulas — após muitas turbulências, o encanto acabou em separação, em 1996.
A nova fase de The Crown começa na década de 1980, quando a Grã-Bretanha tenta administrar os conflitos da “guerra de fome” na Irlanda. No mesmo período, a chegada de Margaret Thatcher (Gillian Anderson) ao cargo de primeira-ministra passa a abalar as estruturas da coroa, personificada por Elizabeth II (Olivia Colman). Em meio à narração de episódios históricos públicos daquela década, os espectadores devem se prender aos dilemas privados dos membros da realeza.
ATENÇÃO: contém spoilers abaixo
O interesse de Charles por Lady Di, que se inicia em uma visita dela à casa de campo da família real, vai desaparecendo, até chegar ao badalado casamento. O excesso de regras a cumprir e o carinho que Charles tem por Camilla Bowles (Emerald Fennell), a Duquesa da Cornualha, minam o relacionamento até Diana se ver presa em seu quarto no Palácio de Kensington.
Além disso, a frieza do filho de Elizabeth II toma proporções inusitadas. Cada vez mais próximo de Camilla e distante da esposa, ele nem imagina como estas ações acabam se refletindo em Lady Di, que enfrentou um quadro de bulimia. A Netflix, inclusive, inseriu letreiros com avisos no início dos episódios, em tom informativo aos espectadores, sobre o distúrbio. Outro problema de saúde que ganha contornos entre um episódio e outro é a depressão pós-parto, situação que a princesa enfrentou com o nascimento do filho William.
A visita do casal real à Austrália é um dos raros momentos de respiro na temporada. A alegria e a parceria de Charles e Diana, por alguns momentos, indicam que o conto de fadas pode virar realidade. Mas tudo se esvai logo em seguida.
As atuações vigorosas de O’Connor e Emma projetam o casal com destaque nesta temporada da trama. A veracidade emprestada pela atriz à personagem impressiona: até mesmo os trejeitos, os sorrisos tímidos diante dos paparazzi e o tom mais despojado de Lady Di quando em contato com o povo parecem ter sido minuciosamente estudados por Emma Corrin. Com tanta presença em cena, ela merecidamente deve aparecer nas listas de premiações futuras por sua atuação.
O relacionamento de Charles e Diana, considerando o impacto que gerou em todo o mundo, renderia uma temporada extra somente dedicada a eles. Porém, o quarto ano de The Crown consegue entregar ainda mais ao espectador. A relação entre Elizabeth II e Margaret Thatcher, a líder do Partido Conservador consagrada como a Dama de Ferro, tem seus contrastes bem explorados.
Força
O roteiro capitaneado pelo showrunner Peter Morgan (do filme A Rainha, estrelado por Helen Mirren) se apropria de fatos históricos marcantes da década de 1980, como a guerra entre Inglaterra e Argentina pelas Ilhas Malvinas e as altas taxas de desemprego registradas no país. Um dos capítulos mostra o inusitado dia 9 de julho de 1982, quando o desempregado Michael Fagan invadiu o Palácio de Buckingham, adentrou o quarto da rainha e decidiu acordá-la para falar sobre sua impaciência a respeito do cenário político e social que o país enfrentava. A situação é um dos pontos altos da temporada, ao mostrar como Elizabeth II é capaz de administrar suas emoções.
Outro episódio marcante dos embates entre a rainha e a a primeira-ministra envolve o relacionamento delas com suas próprias famílias. Após o desaparecimento do filho da líder conservadora durante uma prova do rally Paris-Dakar, esta deixa claro ele é seu herdeiro favorito. Elizabeth II não fica para trás: convoca reuniões com todos os filhos até elencar qual é seu preferido, em um capítulo que deve divertir o público.
A fragilidade da impassível Thatcher, que parecia ser inexistente aos olhos do público, também é explorada em The Crown. Ela renunciou ao cargo em novembro de 1990, após sua liderança no partido ser desafiada pelo vice-líder.
Numa história com rainha, príncipes e princesas, são os cavaleiros que simbolizam a força empunhando suas espadas. Em The Crown, entretanto, essa força não veste armaduras, mas saias. É feminina. Em 10 episódios, Thatcher e Elizabeth II protagonizam afiados diálogos, comprovando mais uma vez o quanto a série inglesa é eficaz na combinação de densidade e leveza em uma dramaturgia para se acompanhar entre lágrimas e risos.