O seriado Amor e Sorte já se tornou um símbolo de resistência em tempos difíceis. No episódio de estreia, na próxima terça-feira (8), na RBS TV, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha, vivem os mesmos papeis na dramaturgia em texto assinado por Antonio Prata, Chico Mattoso e a própria Torres, com supervisão de Jorge Furtado. Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (2), a equipe refletiu sobre o quanto produzir arte, mesmo em isolamento, mostra como a cultura se adapta à tudo.
Sobre este tópico, Fernanda Montenegro comentou sobre o atual momento do país:
— A condenação ao redor da cultura é uma imbecilidade, é uma pretensão, um retrocesso gigantesco e trágico, porque nós não vamos acabar. A cultura de um país é o que o homem pode aspirar de transcendência. Não pode viver sem essa transcendência, nem quando ele saiu da gruta, sempre se expressou de uma forma além da praticidade, da produtividade, não deixa de ser cultura. Deixa a imbecilidade se propor, mas estamos completamente vivos, atuantes e não deixamos de existir. O que está acontecendo é um fato cultural, existimos sim. Há um interregno aí, não seremos os que vão ficar no fundo da terra, não seremos mesmo.
Na sequência, ela também sugeriu que todos tenhamos calma, mesmo com o cenário turbulento:
— É só ter paciência e fingir que não estamos levando a vida que sempre levamos, não adianta, é só dar um tempo, é um ciclo que vai passar e nós estamos vivos. Não sei porque chegamos a esse ponto, mas somos imorredouros e não estou assustada, é só um problema de paciência, fingir que, talvez, que alguém tem poder por algum tempo, não tem, não. A nossa transcendência cultural é viva, latente e produtiva. Onde for, como for.
Além de refletir sobre a cultura no Brasil, a equipe técnica explicou como foi desenvolver uma história com apenas duas atrizes.
— Tínhamos esse princípio que era essa relação conflituosa. A gente sabia que tinham feridas abertas nessa relação, mas tínhamos que descobrir que feridas eram essas. Foi a parte mais saborosa, escavar quem eram essas duas pessoas e que conflitos iriam acontecer nessa convivência forçada dentro de um sítio — explica o roteirista Chico Mattoso.
Na trama, a filha Lúcia (Torres) decide trazer a mãe Gilda (Montenegro) para a sua casa na Serra, para se protegerem do vírus. Por não estarem acostumadas a conviver juntas, a experiência promove um resgate de questões entre elas — até o viés político de cada uma é diferente.
— A filha é mais careta que a mãe, é muito mais o sistema do que ela. Esse conflito que dá o caldo pro episódio. Dois mundos antagônicos que não se acreditam, através da relação de uma mãe e uma filha, que não conhecem seus mundos e não concordam um com o outro — reforça Torres.
Mesmo assim, quando se depara com a descoberta de uma vacina, a mãe Gilda esconderá a informação, porque gostou muito da convivência. Tal amor reafirmado também foi visto nos bastidores: toda a equipe técnica foi formada por sobrinhos, primos e genros.
— A gente tem os filhos da gente, mas uma hora eles vão para suas vidas, tomam seus rumos, se juntam a outras pessoas, de outras culturas, outras origens, e formam um novo núcleo, e aquele núcleo original, de onde a pessoa saiu, fica ali. E se respeita muito o que cada um segue na vida. Mas nesse momento lá, nós nos reunimos novamente e nos integramos novamente, como se ainda houvesse um futuro de sair pela porta e montar um novo tipo de vida — reflete Montenegro.
Para o diretor artístico do episódio, Andrucha Waddington, marido de Torres, o projeto pode ser definido como "resiliência".
— Foi se adaptar a uma nova maneira de fazer. A gente foi buscar inspiração.Tivemos um suporte de pré-produção muito grande da TV Globo. A gente trabalhou offline com uma equipe muito pequena. A gente quis fazer como filme, e deu certo — finaliza Andrucha.