Em maio, Manoel Soares, repórter do programa É de Casa (sábado, às 7h50min, na RBS TV, e disponível no Globoplay), foi vítima, mais uma vez, de racismo. Desta vez, ao vivo. O gaúcho fazia uma matéria sobre o aumento de preços da cesta básica, em São Paulo, usando máscara, quando foi surpreendido por um comentário nas redes sociais: “Esse preto de máscara kkk assalto?”.
Em junho, no Encontro com Fátima Bernardes, num debate sobre o racismo, Manoel revelou outra triste história de que foi vítima, quando foi abordado por policiais e algemado “por ser um pouco grande”, na visão dos policiais. Nesta entrevista com Manoel, além de suas histórias de repórter, é preciso, mais uma vez, falar de racismo, crime previsto no Código Penal.
Como foi a reação das pessoas quando foste vítima de racismo ao vivo? Sentiste apoio? E como vês o fato de se falar tanto no tema atualmente?
Foi mais uma das inúmeras situações que vivi na minha vida. Não me surpreendi, mas fiquei triste, não por mim, mas pelas pessoas que estão mais fragilizadas e são menos conhecidas e precisam engolir essas agressões sem poder sequer ter amparo da lei e da Justiça. Recebi apoio de negros e brancos que não concordam com aquela atitude. Por outro lado, também vi um silêncio que, intencionalmente ou não, representa uma conivência.
Achas que, daqui a pouco, esse tema pode “esfriar”?
Acredito que falar sobre isso cria uma naturalização do assunto, mas, se não avançarmos, vamos cair na chatice de falar sempre a mesma coisa. O Brasil é formado por descendentes de escravos e de senhores de engenho, por conta da escravidão ter acabado há 130 anos somente, e isso alimenta a prática de racismo. O que vivi não é a causa da tristeza dos negros é o sintoma de uma doença que o branco precisa curar. Para que isso não aconteça novamente comigo ou com qualquer outra pessoa, precisamos seguir dois caminhos: fortalecer para que pessoas negras sejam reparadas pelos impactos da escravidão e conscientizar as pessoas de pele clara de que quem tem pele escura merece as mesmas oportunidades. Se não têm é porque a estrutura social é racista. O fato de termos pessoas brancas na mesma miséria que os negros não é a eliminação do racismo, mas a expansão dele. O racismo é tão agressivo que deixa preto quem convive com preto – e quando falo preto infelizmente é sinônimo de pobre.
Como tens visto teu trabalho no É de Casa?
Está sendo uma feliz revelação. Recebo centenas de pessoas de todo canto do Brasil dizendo que nosso trabalho tem dado a elas representatividade e voz, o que não é um mérito só meu. Toda nossa família do É de Casa está preocupada em traduzir as realidades invisíveis, dando a elas o mesmo espaço que as comunidades com mais oportunidade. Quem mora no Moinhos de Vento ou na Restinga, no É de Casa, merece o mesmo espaço e o mesmo respeito, e isso cria uma troca entre pessoas que buscam valorizar a vida.
Viraste referência em reportagem sobre o coronavírus em periferias. Como vês esse tema?Volta e meia, quando falo com especialistas, eles me dizem que o coronavírus não escolhe classe ou cor, mas essa democracia da covid-19 deixa de existir quando chega na casa dos pobres, pois quem mora na favela não tem plano de saúde e depende do respirador do SUS, que é insuficiente para atender quem mora no universo de chão batido. O poder público brasileiro é jovem e como todo jovem é inexperiente, às vezes arrogante e inconsequente. Essas características, muitas vezes, são a causa de dores e lutos, mais evidentes em tempos de covid. O poder público deveria ouvir quem está há mais tempo na luta para salvar vidas dentro desses territórios: faculdades, organizações sociais e grupos organizados. A lógica que vem de cima para baixo nunca funcionou, e na covid isso custa vidas... A vida é o maior patrimônio de uma comunidade.