Ambientes caseiros, como o quintal e a sala, são hoje os cenários de gravação de Marcelo Adnet. Longe dos estúdios da Globo, assim como todo o elenco da emissora, por causa da pandemia, o ator e humorista transformou seu lar, no Rio, no set de Sinta-se Em Casa, disponível no Globoplay e aberto para não assinantes. Sucesso nas redes sociais e com direito à exibição de trechos no Encontro Com Fátima Bernardes, na Globo, o diário de humor de Adnet é um produto essencialmente do isolamento.
— O projeto surgiu em casa, eu já "quarentenado", com alguns vídeos parodiando a situação política do Brasil ou o BBB. Vídeos bem curtinhos — diz Adnet.
O Globoplay, então, propôs que ele transformasse aquelas experiências em um produto para streaming, de segunda a sexta.
— Falei, beleza, vamos fazer bem simplinho, faço um minutinho, dois minutinhos de casa. Só que acontece que a crônica do Brasil ficou tão acelerada e tão louca. Também acho que foi dando certo, descobrindo aqui como se faz, e aí a gente faz bem mais do que um ou dois minutos. Temos várias complexidades no programa. Comprei um chroma que chegou ontem (semana passada), já fiz a cena do Super Queiroz estreando o chroma, em cima da mesa da sala — conta o humorista, referindo-se ao quadro em que ele faz Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, sobrevoando a casa num colchão.
Adnet traz crônicas inspiradas em acontecimentos do Brasil e do mundo. Mas as figuras políticas que ele imita, como o presidente Bolsonaro, são seus principais trunfos. Aliás, ele vem se especializando cada vez mais nesse tipo de imitação, desde o bem-sucedido tutorial dos candidatos a presidente que fez para O Globo, em 2018. Destaque também para Olimpíada dos Gatinhos, em que registra Romarinho e Princesa - resgatados logo que o programa começou - simulando modalidades esportivas.
Em tempos de isolamento, Sinta-se Em Casa conta com uma equipe bem reduzida.
— Crio tudo: textos, personagens, onde vou filmar, o figurino. A minha mulher, a Patrícia (Cardoso), que é a única que está comigo de quarentena, grava com meu celular, e me ajuda também nas caracterizações, figurinos, direção de arte, Remotamente, estão envolvidos editor e supervisora artística. Somos quatro.
Assim como Adnet, outros humoristas têm se dedicado a projetos que caibam dentro de seus lares: mais enxutos, intimistas, sem megaprodução, usando, inclusive, recursos domésticos, como cenografia e figurino - e seguindo normas de segurança. Paulo Vieira, que encerrou no domingo a série Como Lidar?, feita no confinamento para o Fantástico, na Globo, agora se prepara para estrear com Fernando Caruso Cada Um No Seu Quadrado, no Globoplay, no dia 3 de julho. Segundo o humorista, a ideia é tentar criar uma festa, uma mesa de bar, mas com cada um na sua casa.
— Tem um clima de muita descontração. Na seleção de convidados, chamamos principalmente amigos, gente com quem gostamos de conversar, que a gente acha engraçado, para compor a melhor mesa de bar do mundo — diz Vieira. — Chegamos a uma seleção de quatro amigos por episódio, e os convidamos para jogar conversa fora, falar da vida. Para cada um comer e beber na sua casa. Está sendo muito divertido gravar isso.
Também no Globoplay, Eduardo Sterblitch está à frente do Sterblitch Não Tem Um Talk-Show: o Talk-Show, disponível sempre às sextas. Ele participa da edição do programa, além de aparecer na tela, fazendo entrevistas, e propondo games e dinâmicas com famosos e anônimos. Tudo da casa dele. O material que dá corpo à atração vem de duas lives semanais, realizadas nos perfis do GShow no Twitter e no Facebook, às segundas e terças, às 22h.
— Acho que essa pode ser uma forma de a gente lidar com essa pandemia de um jeito criativo, e não ficar só consumindo a informação que chega até nós. Este momento de isolamento social também é uma oportunidade para darmos chance à nossa criatividade, de se conectar, de interagir — diz Sterblitch, em material para imprensa.
Já o Zorra, da Globo, precisou se readaptar diante da nova situação. Com a pandemia, as gravações foram adiadas, e o programa traz, junto com as reprises, gravações feitas pelo elenco, em um aplicativo de conversas virtuais.
Desafios
Outra série original da quarentena, Diário de um Confinado, escrita e protagonizada por Bruno Mazzeo e dirigida por Joana Jabace, sua mulher, poderá ser vista em várias plataformas. Já disponível no Globoplay, a produção será exibida ainda na Globo aos sábados, a partir de 4 de julho; estreia no dia 6 no Multishow; e terá pílulas durante o mês no GNT. Idealizada por Joana, é gravada no apartamento onde o casal mora com os filhos, no Rio.
Mazzeo interpreta Murilo, que, de uma hora para outra, precisa resolver toda sua vida de dentro de casa - e a distância: terapia, bate-papo com amigos, compromissos profissionais.
— Tudo foi um grande desafio. Começamos a criar já tendo limitações, como a locação, um único personagem, com toda a história se passando no mesmo universo. A vida familiar e o trabalho ficaram bem misturados. A única coisa que já é feita assim, por mim, de casa, e que eu faço muito, é o texto. De resto, tudo foi novidade — conta Mazzeo.
— Foi desafiador desde a prova de figurino por chamada de vídeo, com a figurinista olhando meu armário e montando o Murilo com o meu guarda-roupa, até o gravar e editar. Gravar com os filhos aqui, com a vida real seguindo... Olha, desafio não faltou. Adaptamos a nossa casa e, ao mesmo tempo, fomos adaptando coisas no texto também para coisas que a gente tinha aqui. Não estamos nos Estúdios Globo, onde um cenário, por exemplo, é construído de acordo com a necessidade do texto. Aqui é o contrário. O que fizemos se parece um pouco como funciona o teatro, em que o ator também é o contrarregra — completa.
Na trama, Murilo interage, remotamente, com personagens vividos por nomes como Arlete Salles, Débora Bloch, Fernanda Torres, Lázaro Ramos, Lúcio Mauro Filho, Renata Sorrah.
— Este foi outro grande desafio: contracenar com os colegas sem estarmos juntos, olho no olho, com o calor e a troca que existe no set.
Mazzeo acredita que, após a pandemia, a dramaturgia vai sofrer adaptações. Que, por necessidade, as coisas vão ser um pouco menores, com produções mais íntimas.
— Pra mim, foi muito importante a experiência do Diário de um Confinado. Foi uma prova de que a gente vai se adaptar e que a arte sempre vai se reinventar de acordo com sua época, sobretudo em momentos de exceção — observa. — No nosso caso, fizemos uma dramaturgia muito íntima e, consequentemente, muito humana, pelo fato de não ter outros cenários, outros universos. Foi uma comprovação (pra gente) de que somos capazes de fazer. E que vai ter que fazer daqui pra frente. Estamos bem dentro da realidade, não só pelo conteúdo, mas pela forma como fizemos a série. E sou muito orgulhoso disso.