Cada vez que os personagens de El Presidente fazem uma negociata, é tocada ao fundo uma música de comédia pastelão, daquelas em que uma trapalhada está sempre prestes a acontecer. Em oito episódios, a série inspirada no escândalo que ficou conhecido como Fifagate estreia nesta sexta-feira (5) no serviço de streaming Amazon Prime Vídeo. Um dos seus produtores executivos é Armando Bó, vencedor do Oscar em 2014 como roteirista de Birdman, que também levou estatuetas de melhor filme e diretor.
O esquema de suborno para dirigentes da Fifa atingiu em cheio os cartolas sul americanos em maio de 2015, quando o FBI fez prisões na Suíça e processou presidentes de associações nacionais e empresários.
O então mandatário da CBF, José Maria Marin, que acabou condenado e preso nos EUA, saiu da cadeia apenas em abril deste ano, por causa da pandemia da covid-19. Seu antecessor, Ricardo Teixeira, e o sucessor, Marco Polo del Nero, não deixam o Brasil com medo de serem detidos.
A reportagem assistiu aos quatro primeiros episódios e os dirigentes estão quase todos representados, menos Del Nero. O argentino Mariano Jinkis, dono da Full Play, e o brasileiro J.Hawilla, proprietário da Traffic e morto em 2018, também são retratados na série. Ambos foram acusados de oferecer subornos pelos direitos de transmissão de jogos organizados pela Conmebol. Hawilla se tornou colaborador da Justiça americana.
O fio condutor da narrativa está no personagem de Julio Grondona, presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA) de 1979 a 2014, ano em que morreu. Ele desempenha na série o papel de tutor de Sergio Jadue nos meandros do futebol e nos esquemas de corrupção.
Interpretado por Luis Margani, Grondona mantém a imagem que sempre cultivou entre seus pares do futebol sul americano na vida real: uma espécie de Don Corleone da bola, aquele capaz de vinganças silenciosas e mestre no maquiavelismo, com seu lema escrito no anel que sempre usava: "tudo passa".
O primeiro episódio começa no enterro do cartola, em 2014, quando os outros se reúnem, mesmo no cemitério, para começar a debater quem vai ficar com o que no espólio da corrupção.
A série reproduz fielmente alguns cenários conhecidos pela cartolagem do futebol sul-americano, como os corredores do hotel em Luque, no Paraguai, que fica ao lado da sede da Conmebol.
El Presidente é baseado em fatos reais, mas romanceado. Jadue (interpretado por Andrés Parra), que realmente saiu da presidência de um clube pequeno, o Deportes La Calera, e chegou de maneira surpreendente à presidência da associação nacional do Chile, é retratado como um bobo, controlado pela mulher, Nené (Paulina Gaitán), também por Grondona e principalmente por Rosario, a agente do FBI interpretada por Karla Souza.
Flagrado em esquemas de corrupção, Jadue se tornou colaborador da Justiça americana. No ano passado, foi fotografado ensanguentado após brigar com o atual namorado de Nené.
Para os mais rigorosos, há imprecisões históricas, criadas para efeito dramático. O chileno não era um paspalho, mas um dirigente que soube se aproveitar do descontentamento dos clubes pequenos para assegurar seu poder no futebol do país. É uma receita repetida pelo atual presidente da AFA, Claudio Tapia. As cenas filmadas no que seriam o estádio do Arsenal de Sarandí, time criado por Grondona, acabaram feitas no campo do Tigre. A família do cartola ainda controla o Arsenal.
Todos os personagens brasileiros simulam sotaques do Rio de Janeiro, e o mais marcado de todos é justamente o do paulista José Maria Marin (interpretado pelo chileno Alejandro Trejo).
A série mostra a relação entre Jadue e Rosario (que aparece no início como funcionária do bar do hotel ao lado da Conmebol) como de medo, chantagem e em algumas vezes de afeto. Por exemplo, quando a mãe da agente morre e ela pergunta ao cartola corrupto como este se sentiu ao perder o pai.
Há cenas tolas, como a de Jashir (Alberto Ajaka), capanga de Jadue que, para se livrar dos pombos que insistem em aparecer no centro de treinamento da seleção chilena, os abate a tiros. São ilustrativas as imagens das "bolinhas geladas" no sorteio dos grupos da Copa América de 2015, no Chile. Uma picaretagem clássica do futebol sul americano, ambiente que El Presidente tenta retratar ao exibir dirigentes de futebol corruptos, cafonas e atrapalhados.
A única exceção neste último quesito é Grondona, que avisa a Jadue, feliz pelo Chile ter sido escolhido sede da competição:
— O torneio começa a ser jogado no sorteio dos grupos.