Desde sua estreia, um mês atrás, a novela Amor de Mãe mostrou que teria proposta bem distinta de sua antecessora na faixa da nove da Globo. Se A Dona do Pedaço teve um tom fabular norteado pela alegria e a esperança da heroína Maria da Paz (Juliana Paes), Amor de Mãe chama a atenção pelo realismo com que encena dramas do cotidiano – como o tiroteio que ameaçou alunos e professores de uma escola em um dos primeiros capítulos.
Assinando seu primeiro folhetim no horário nobre, a autora de Amor de Mãe, Manuela Dias, tem experiência nesse registro da vida tal qual ela é. Foi responsável pela série Justiça, exibida pela Globo em 2016, dirigida por José Luiz Villamarim, seu parceiro na novela. Em entrevista concedida a GaúchaZH por e-mail, conta que sua maior preocupação é mostrar que cada pessoa é a protagonista de sua própria história:
– Não existem figurantes no mundo. Acredito que toda a minha dramaturgia parta desse princípio, desse ponto de vista. Mas o que existe de comum entre Justiça e Amor de Mãe sou eu.
Com a evolução da trama, centralizada nas histórias de Lurdes (Regina Casé), Thelma (Adriana Esteves) e Vitória (Taís Araújo), o público já percebeu que não há, em Amor de Mãe, a figura recorrente do vilão. Manuela acredita que está desenvolvendo uma “dramaturgia de rua, com conflitos reais e personagens complexos”. Ou seja, cada um dos personagens é bom e mau, ao mesmo tempo, em que “cuidam de alguns e destratam outros”.
– Para mim, não ter um vilão não complica na hora de escrever, porque é assim que eu vejo o mundo. É natural – conta Manuela, que namora o ator Murilo Benício (que vive Raul em sua trama). – Determinar um vilão é sempre um exercício de ponto de vista. Se você pensa em um jovem preso, é um vilão para a mulher que ele assaltou, mas, para sua mãe, é um menino desviado.
Em paralelo ao trio de protagonistas às voltas com dilemas da maternidade, Manuela aborda diferentes temas no folhetim. Vitória, por exemplo, está em um relacionamento com o ativista Davi (Vladimir Brichta), o que lança uma reflexão sobre a questão do meio ambiente no país. Já a jornada de Lurdes, que veio do Nordeste e vive na periferia do Rio de Janeiro com seus quatro filhos, joga luz sobre a estratificação social no país.
A autora afirma que, além desses exemplos, sua trama lança “um olhar apaixonado para essa figura central na civilização, que é a mãe”:
– Central e desvalorizada. O amor de mãe é uma coisa tão garantida que tendemos a não exaltá-lo, valorizá-lo. Também incluiria entre os pontos sensíveis à reflexão dentro da novela a forma como lidamos com os novos papéis ocupados pela mulher na sociedade.
A novela tem recebido elogios da crítica por conta das referências cinematográficas, que vão do enquadramento e da duração das cenas à citação a obras clássicas. Manuela acredita que lida com um público “altamente alfabetizado” no ponto de vista audiovisual. Segundo ela, já houve menção a Lady Macbeth, personagem referencial de Shakespeare, e a filmes da Nouvelle Vague, movimento francês que impactou o cinema mundial. Desta forma, segundo Manuela, Amor de Mãe apresenta camadas de interesse a um público diverso, entre a percepção com impacto mais direto e aquela exigente de um repertório de conhecimentos.
– Assim como nós somos complexos e simples, a vida também é profunda e superficial, tudo ao mesmo tempo. E o público brasileiro vê tudo isso. Tem todo o meu respeito.