No início dos anos 1920, quando começa a história de Éramos Seis, nova novela das seis da Globo, era considerado normal que o homem tivesse uma amante. E era também ele que tinha a obrigação de ser o provedor da casa. Para Gloria Pires, 56 anos, e Antonio Calloni, 57, que fazem Lola e Júlio, o casal protagonista da trama, a nova versão joga luz sobre como esse machismo podia ser prejudicial para as relações familiares.
Ao mesmo tempo, a trama escrita por Ângela Chaves destaca o papel feminino:
— As mulheres sempre foram as locomotivas, mas ninguém sabia, porque elas não podiam aparecer — afirma Gloria Pires.
Na história, Júlio sofre com o peso de não conseguir o progresso financeiro que ele tanto almeja para dar conta da educação dos quatro filhos e bancar o financiamento da casa em que eles moram na Avenida Angélica, em São Paulo.
Repetindo a mesma educação que recebeu do pai, ele é muito rígido com os três filhos homens, Carlos (Xande Valois/Danilo Mesquita), Alfredo (Pedro Sol/Nicolas Prattes) e Julinho (Davi de Oliveira/André Luiz Frambach), e não consegue demonstrar o amor por eles. É só com Isabel (Maju Lima/Giullia Buscacio), a sua preferida, que ele é carinhoso.
— Às vezes, ele desconta na família as frustrações que ele tem no trabalho (...) Ele não é bom nem é mau, é simplesmente uma pessoa que está em busca da felicidade — diz Calloni.
A partir de todos esses conflitos, Julio adoece e desenvolve uma úlcera grave, já mostrada logo no primeiro capítulo. O alcoolismo, que funciona como uma válvula de escape para ele, agrava essa situação. O personagem tem também na amante Marion (Ellen Rocche) uma confidente para desabafar sobre os seus problemas e inseguranças.
— O Júlio, coitado, é um homem que não dá conta do peso que colocaram nele — diz Gloria.
Ela conta que desde que fez o filme Se Eu Fosse Você (2006) reflete sobre como o machismo também é maléfico para o homem:
— Pode parecer, a grosso modo, que esse lugar (do homem) é confortável e de privilégios,
o que é também. Mas, por outro lado, é um peso enorme, sem espaço para esse homem chorar, para dizer: "Olha, eu estou mal, estou precisando de ajuda, não estou dando conta".
Para Calloni, nos quase cem anos que separam o início da novela dos dias atuais, muita coisa mudou e comportamentos machistas foram sendo contestados, mas ainda há muito a ser melhorado.
— O empoderamento feminino está cada vez mais presente, ainda bem. Mas os homens ainda têm dificuldades de entender e assimilar isso — diz.
Esta é a quinta versão da trama, adaptada outras quatro vezes por outras emissoras — em 1958 na Record; em 1967 e em 1977, na TV Tupi; e em 1994, no SBT.
A versão atual é baseada no texto de 1994, escrito por Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Todas são inspiradas no livro de Maria José Dupré, de 1943.
O ator diz esperar que Éramos Seis seja sempre remontada ao longo dos anos, por ter como tema a família que, na visão dele, é um assunto "inesgotável e atemporal".
— Fora isso, (a novela) tem uma afetividade que está faltando um pouco hoje em dia. Está faltando humanidade. Temos que retomar esses sentimentos que são tão legais. Se relacionar bem com as pessoas é fundamental para a felicidade de todo o mundo — diz.
Sororidade
O termo sororidade é novo, mas o que ele representa, a união feminina, é um dos destaques da atual versão de Éramos Seis, segundo Gloria Pires.
— Essa coisa da mão amiga, do ombro, da vizinha, da empregada, que foi criada junto, que está ali para o que der e vier, que segura as pontas, que está junto no sacrifício, na dor. Isso a gente não via e essa versão enaltece essas qualidades que as mulheres sempre tiveram — diz a atriz.
Na novela, Lola tem na vizinha Genu (Kelzy Ecard) a sua amiga mais fiel, e conta com o apoio constante da empregada Durvalina (Virgínia Rosa).
O tempo é outro fator importante na trama, que começa nos anos 1920 e segue até 1940. Com o agravamento da doença de Júlio (Antonio Calloni), o personagem morre no capítulo 48 da trama. A partir daí, Lola tem que seguir sozinha na missão de manter a família unida.
Gloria Pires diz que vê muito da sua avó paterna, Deolinda, em Lola.
— Ela ficou viúva e teve de lidar sozinha com a criação dos dois filhos — contou a atriz, que fez questão de usar uma pulseira da avó no evento de lançamento da trama, no dia 16 de setembro, no Rio.
Para a atriz, aliás, estar na novela tem trazido muitas coincidências e memórias afetivas.
— No banheiro da Lola, a pia é igual à pia da minha casa. Na casa do Afonso (Cássio Gabus Mendes), que é o dono do armazém, que sempre a ajuda, deixa ela comprar fiado, segura as contas dela, tem um móvel que é igual ao dessa minha avó — conta.
A própria casa de Lola e sua família, que tem uma importância fundamental na trama, é também muito parecida com a da avó de Gloria.
— É parecidíssima com a que minha avó tinha, que eu vi na foto e quase não acreditei — diz.