A Netflix desembarcou este mês em seu catálogo uma obra-prima da cultura pop japonesa. A série Neon Gênesis: Evangelion, exibida originalmente em 1995 e criada pelo artista Hideaki Anno, tornou-se um marco revolucionário do anime, o desenho animado japonês, com uma trama que mistura profundidade psicológica, conceitos hardcore de ficção científica e, claro, robôs contra monstros gigantes.
Com 26 episódios de menos de meia hora e dois longa-metragens adicionais que recapitulam a história e apresentam um novo sentido para seu fim, à época polêmico, Evangelion se tornou um objeto de culto tão passional que toda reexibição é um evento com direito a explosões de amor e indignação. Sem um canal de exibição regular há anos e fora do mercado doméstico de vídeo, a série chegou ao canal de streaming já provocando discussões entre os fãs. Desde questões mais específicas como a troca da música de encerramento, até problemas que apontam para uma tentativa de suavizar alguns subtons de natureza sexual que sempre foram importantes na atração.
Neon Gênesis: Evangelion é uma narrativa enganosa que seduz o espectador com uma fórmula consagrada para, de modo gradativo, ir elevando seus conceitos até se tornar uma das obras de ficção científica mais ambiciosas a surgir na cultura pop. Mas em seus primeiros episódios, a série parece se filiar ao tradicional gênero japonês “mecha”, ou seja, “humanos pilotando robôs gigantes e enfrentando monstros”.
À época, no distante ano de 2015, após um evento pós-apocalíptico que matou metade da população mundial, a Terra passa a ser invadida por monstros gigantescos chamados “anjos”. O adolescente Shinji Ikari, de 14 anos, é levado às pressas para a cidade de Neo Tóquio 3 para reencontrar o pai, que o abandonou na infância. Na verdade, o reencontro não é o motivo da viagem. O pai de Shinji agora comanda a Nerv, uma força de elite que responde à ameaça com os Evangelions (ou simplesmente EVAs), robôs controlados por pilotos adolescentes que sincronizam seus sistemas nervosos com os das gigantescas armaduras.
Como a jovem Rei Ayanami, a piloto original, está incapacitada devido a um acidente, o pai de Shinji exige que o jovem assuma uma das unidades e enfrente a ameaça mesmo sem treinamento algum. Contra todas as expectativas, Shinji derrota o Anjo, mas já no decorrer da luta alguns mistérios são levantados. O principal deles é sobre a verdadeira natureza das unidades mecanizadas.
Evolução
Um dos motivos para Evangelion ser um marco é a forma gradual como insere detalhes e novas camadas à grande trama principal mesmo seguindo um padrão aparentemente repetitivo.
A cada episódio, um novo e diferente Anjo aparece, apresentando uma dificuldade adicional se comparado com o anterior. Cada nova luta revela outros detalhes sobre os planos do misterioso pai de Shinji e sobre o grupo de figuras poderosas por trás do Nerv. À medida que a narrativa progride, fica claro que tudo se interliga ao passado de Shinji e seu rico conjunto de personagens secundários, como a dinâmica tutora Misato Katsuragi, as colegas pilotos Rei e Asuka Langley Soryu e os amigos de escola Toji Suzuhara e Kensuke Aida. Quando a narrativa chega em seus capítulos finais, Evangelion já deixou sua matriz de “série de robôs” para trás, tornando-se um conto metafísico sobre individualidade e identidade.