Não faz muito tempo, Rebecca Gosnell, de 24 anos, estava na fila do Circle, um estúdio de tatuagem em Londres, esperando para fazer a primeira tatuagem – a da espada Agulha, do badaladíssimo seriado Game of Thrones.
Na história, ela pertence a Arya Stark, uma jovem que tenta abrir espaço em um mundo masculino, bem semelhante à experiência da própria Gosnell; mas há um motivo bem mais simples para sua decisão. — É de graça — vibra.
Gosnell foi uma das aproximadamente trinta pessoas que ganharam tatuagens gratuitas inspiradas em Game of Thrones, a maioria mulheres na faixa dos vinte anos. A oferta é parte de uma promoção lançada pelo serviço de streaming britânico NOW TV. O seriado, épico de fantasia produzido pela HBO, atualmente está na última temporada.
De fato, a oferta ficou parecendo uma tentativa desesperada de conseguir destaque na imprensa – e, de quebra, vender algumas assinaturas, por que não? Ultimamente, promoções chamativas como essa, dignas de fazer os mais cínicos revirarem os olhos, vêm pipocando por toda parte, como a da Fender, por exemplo, que lançou uma linha de instrumentos Game of Thrones (a guitarra mais baratinha sai por "apenas" US$ 25 mil).
Entretanto, muitos dos que estavam na fila falaram com tanto entusiasmo da série, e da inspiração que representa, que não dá para ser tão cético assim.
Só de olhar para a tatuagem da Agulha tenho certeza de que já me sentirei empoderada.
REBECCA GOSNELL
fã da série "Game of Thrones"
— Tem muitos personagens que são uns coitados, sabe? Maltratados pelas pessoas e pela vida, eles têm de dar um basta. Eu mesma sofri bullying e estou saindo de um relacionamento ruim. Só de olhar para a tatuagem da Agulha tenho certeza de que já me sentirei empoderada — completa.
Mesmo os fãs mais velhos à espera — um casal, sendo que ambos se chamam Shane Horrell, ambos de 43 anos ("É um inferno nos aeroportos", ela brinca) — consideram os personagens muito importantes. Ele ia fazer a tatuagem do dragão montado por Daenerys Targaryen.
— A Daenerys saiu do nada, começou por baixo. Passou por tanta coisa! Serve de inspiração para qualquer um. É por isso que vou fazer. Ah, e claro que porque dragão é muito legal — justifica.
Não há nada novo em tatuagens inspiradas em Game of Thrones segundo Lauren Winzer, tatuadora australiana que criou os modelos da promoção da NOW TV e viajou só para o evento. Quem foi ao Circle pôde escolher um de seus 16 motivos, incluindo frases como "O inverno está chegando" em letras góticas e a imagem do famoso Trono de Ferro. Segundo a porta-voz, o canal recebeu mais de seis mil inscrições para 50 vagas.
Ela conta que em Sydney, onde mora, muitos fãs a princípio queriam tatuagens dos lobos gigantes, animais fiéis a determinados personagens e que, por isso, os protegem. Ela inclusive fez um em Sophie Turner, uma das principais atrizes da série, com a frase "A matilha sobrevive" embaixo. (— Essa eu fiz na base do estresse. Imagine, ela atua na série! — diz a tatuadora.)
— É para ter alguma coisa de que você gosta muito e com que se identifica. Tenho de Os Simpsons e A Família Adams — diz Winzer quando pergunto por que o pessoal quer tatuagens da série.
— De uns tempos para cá, o público vem escolhendo umas menos óbvias, que por isso mesmo acabam se destacando. Em Londres, por exemplo, fiz um batente com a frase "Segure a porta" escrita embaixo — conta, exemplificando a referência a uma das cenas mais dramáticas da sexta temporada.
Pertinho do estúdio onde se realiza a promoção, no Gypsy Stables, Cesar Pimenta se prepara para fazer a imagem de um leopardo em um cliente que parece ter pouco espaço para novos desenhos.
— Há anos vejo o pessoal com tatuagem de Game of Thrones, mas eu mesmo só fiz três — conta.
— Foram dois dragões na mão de alguém; depois foi um escudo da série em que aparece um cara morto em uma cruz. Parece que ele está sendo torturado — explica. Não é um símbolo sombrio demais? — Era muito bem feito, bem legal. Por que não?
Pimenta admite que não entrou na onda Game of Thrones como alguns de seus clientes, mas gosta mesmo é de lobos, animal com que sente uma grande identificação.
— É um dos poucos animais que parecem espiritualizados. Vivi um tempo na Finlândia e dava para ouvi-los à noite, uivando na floresta. Dá uma sensação maravilhosa, parece que toca a alma da gente — revela.
De volta ao Circle, as cinco cadeiras do estúdio estão lotadas, e vira e mexe um fã sai do subsolo radiante com a tatuagem nova – e gratuita. (Nenhuma é de lobo; a maioria é de dragão.)
Na fila do lado de fora, o norte-americano Johnny Hargis, de 23 anos, que está na cidade de férias (ele trabalha na Disneylândia), diz que quer fazer o símbolo real de Daenerys Targaryen no braço.
— Na série, ela liberta os escravos e quer acabar com o sistema opressivo da monarquia. Tem tudo a ver comigo — explica.
Mas acrescenta, rápido:
— Não sou contra a rainha da Inglaterra. Daenerys Targaryen não é contra as monarquias, mas, sim, contra a opressão. Lutar contra a injustiça é inspirador — completa.
A engenheira de manutenção Ashleigh Quelch, de 25 anos, saiu da sala no subsolo com uma estrela de sete pontas no pulso. Escolhera um tema mais sutil, sem conexão explícita com o seriado.
Nascemos cem anos atrasados para explorar a Terra e cem anos adiantados para explorar o espaço. Vivemos no meião, esse período sem graça. Por isso temos "Game of Thrones"
ASHLEIGH QUELCH
Engenheira de manutenção
— Acho legal o pessoal fazer imagens de filmes, bandas e tal, mas acho meio óbvio. Esta aqui é de classe.
Pergunto por que ela acha que o público se identificou tanto com o seriado.
— É um novelão, né? Com direito a dragão e tudo. E tem sempre um personagem com quem você se identifica e tal. Mas acho que também é um bom escape. Li uma coisa interessante outro dia, dizia que nascemos cem anos atrasados para explorar a Terra e cem anos adiantados para explorar o espaço. Vivemos no meião, esse período sem graça. Por isso temos Game of Thrones.