Ingrid Guimarães é uma especialista do humor. Afinal, quatro de suas comédias estão entre os filmes mais vistos no País entre 2000 e 2017 e suas participações em programas de TV são antológicas. Não satisfeita em apenas atuar, ela decidiu buscar as raízes desse gênero a partir do depoimento de colegas de profissão, representantes de gerações diversas. O resultado é a série Viver do Riso, que estreia neste sábado (27), no canal Viva, às 19h15.
Ao todo, são 10 episódios semanais, dirigidos por Tatiana Issa, Raphael Alvarez e Guto Barra e nos quais Ingrid não apenas arranca gargalhadas como consegue confissões de mais de 90 artistas que, em conversas intimistas, falam com franqueza sobre os efeitos do humor no Brasil.
— A série traça mais do que uma linha do tempo, ou um retrato cronológico do humor. Ela mostra as diversas variações do gênero e como cada humorista encontrou seu caminho, ou foi encontrado por ele. E um dos temas que mais me interessou nesse documentário foi o papel da mulher na comédia — comenta Ingrid.
A atriz passou meses entrevistando outros humoristas, desde os mais veteranos como Renato Aragão (primeira conversa gravada, em fevereiro), Carlos Alberto de Nóbrega e Ema D'Ávila até nomes da novíssima geração como Tatá Werneck, Gregório Duvivier e Fabio Porchat. Ela conseguiu ainda um dos derradeiros depoimentos de Agildo Ribeiro, que morreu em abril. O último humorista a contar suas infinitas histórias foi Jô Soares, com quem Ingrid conversou em setembro.
A participação das mulheres
O riso habitualmente provoca um sentimento de alívio e catarse, mas piadas e textos humorísticos servem também como caminho de acesso ao inconsciente coletivo de uma sociedade. É o que se observa no primeiro episódio da série, que investiga a participação da mulher na história do humor brasileiro, especialmente o da televisão. E o que se nota é que só recentemente a participação feminina tem sido mais expressiva.
— Antes dos anos 2000, a mulher no humor fazia quase sempre o papel da boazuda e, se possível, tinha de ficar quieta — atesta Marisa Orth.
— Por isso, a presença da mulher ocupa menos espaço na importância do humor, já que os homens sempre dominaram — completa Fábio Porchat.
Em um dos testemunhos mais interessantes, Maurício Sherman, que cruzou gerações dirigindo programas engraçados, além de ter comandado espetáculos do Teatro de Revista, afirma:
— Naquele tempo, não era de bom tom nem as moças rirem, elas eram criadas como virgens recatadas que não podiam nem gargalhar: riam com as bocas fechadas. Desde os tempos de Shakespeare, o palco nunca foi ocupado pela mulher.
Politicamente correto
No Brasil, isso revela características que as pessoas procuram esconder.
— O humor reflete o caráter da sociedade. Nos anos 1970, era possível rir livremente de gays, negros, mulheres e pobres. Ou seja, as piadas batiam nas mesmas pessoas perseguidas pela polícia — comenta Gregório Duvivier.
Uma rara exceção foi Dercy Gonçalves que, mesmo assim, precisava usar de uma linguagem rasteira para se impor em uma época que a mulher era totalmente submissa. "Sou de uma época que o teatro no Brasil era considerado prostituição - as atrizes eram p..., eram fichadas na polícia e tinham carteirinha", conta ela, em uma cena de arquivo.
Nos próximos episódios, Viver do Riso vai tratar de temas diversos, como a formação de duplas (inspiradas em Oscarito e Grande Otelo) ou com mais participantes, com grupos como Os Trapalhões, ou ainda com pequenas multidões, como os inúmeros personagens criados e interpretados por Chico Anysio.
— Todos são fontes de inspiração eterna e merecem reverência, pois a comédia é muito pouco reverenciada — conta Ingrid, que trata ainda de temas delicados, como o limite do humor, em uma entrevista com Rafinha Bastos, que foi processado por conta de uma piada mais ousada.