O Outro Lado do Paraíso se despede da faixa das nove da Globo com jeito de novela que vai ficar na memória dos brasileiros. A trama de Walcyr Carrasco bateu recordes de audiência - na Grande Porto Alegre, teve o capítulo de novela das nove mais visto desde Amor à Vida (2013) -, desbancou o ótimo desempenho da antecessora A Força do Querer, de Glória Perez, e se assemelhou ao fenômeno Avenida Brasil (2012), folhetim que parou o país e entrou para a história da teledramaturgia. Mas, diferentemente da história de Carminha (Adriana Esteves) e Nina (Débora Falabella), O Outro Lado do Paraíso enfrenta um problema que vai além da aceitação do público: as críticas negativas de jornalistas e especialistas em TV.
É quase unânime entre os entendidos no assunto que a novela deixou a desejar com uma narrativa simplista, que não complexificou debates importantes - como o racismo, o preconceito e a violência doméstica. Crítico de televisão e autor do livro Almanaque da Telenovela Brasileira, Nilson Xavier acredita que não houve apenas um grave problema no enredo, mas várias questões tratadas de forma equivocada.
— O autor apresentou uma trama com texto pobre, batida, sem novidade. Um texto para um público que não reflete, com humor rasteiro e questionável — opina o especialista. — Perdeu a oportunidade de tratar de assédio e violência doméstica, já que transformou o assediador em um herói. Perdeu a oportunidade de falar de nanismo, tratando a personagem como uma atração de circo para fazer o público rir — completa.
Apesar de trazer temas com potencial para grandes debates, a novela se perdeu na curva do tom. Na opinião de Julio Cesar Fernandes, professor de transmídia da Faculdade Cásper Líbero, a história de Samuel (Eriberto Leão), um médico homessexual não assumido que levava uma vida dupla, acabou reforçando estereótipos em vez de contribuir para a discussão sobre tolerância:
— O núcleo dos personagens gays virou mais uma comédia-pastelão do que realmente uma forma de educar contra a homofobia. Novela é entretenimento, é ficção, mas também tem o papel de educação e informação ao público. O alcance é muito grande, então é importante essa formação.
Já para Fábio Costa, pesquisador e autor do livro Novela: A Obra Aberta e Seus Problemas, o roteiro apresentou problemas estruturais e de continuidade. A aposta recorrente em elementos que se afastaram quilômetros da verossimilhança, como a personagem Sophia (Marieta Severo) na pele de uma serial killer que matava suas vítimas a tesouradas, foi outro ponto fraco alvo de duras críticas.
— Muita coisa acabou não fazendo sentido. Embora a novela seja algo que se escreve muito rápido e é modificada por diversos fatores, o mínimo de coerência tem que manter. Não precisa ser real, precisa ser crível. Houve muitas falhas — ressalta Costa.
Mas por que foi sucesso de audiência, então?
Com uma lista extensa de defeitos, O Outro Lado do Paraíso tinha tudo para ser taxada como uma das piores novelas das nove dos últimos anos. Entretanto, o público adorou - destaque para os memes hilários e a atividade intensa dos fãs nas redes sociais. Haveria uma explicação plausível para espectadores e críticos terem opiniões tão divergentes? Os especialistas garantem que sim.
— As pessoas se entretem, mas não precisam pensar. Embora existam temas importantes, a novela acabou atingindo bons resultados por ter uma visão conservadora, já que não toca em feridas da sociedade com uma discussão que ultrapassa a trama. A Força do Querer, por exemplo, tinha uma profundidade na abordagem dos assuntos sem deixar de lado o encaixe na trama. O Walcyr abriu mão de aprofundar os muitos temas apresentados em prol de uma história com personagens estereotipados que geralmente faz sucesso — opina Costa.
O talento de Carrasco em construir uma história com ganchos e arcos narrativos que prendem o público em frente à TV deve ser reconhecido, destaca Fernandes:
— Foi uma novela com muitos pontos de virada, ágil. A cada semana tinha uma história diferente, um núcleo desenvolvido. Mas, ao mesmo tempo, muito simples, sem personagens complexos.
O desempenho do elenco também é apontado como fator essencial para o sucesso de audiência. Atuações de Marieta Severo, como a vilã Sophia, e Eliane Giardini, interpretando a racista Nádia, chamaram a atenção no folhetim.
— Marieta Severo conseguiu levar a personagem com dignidade. Se fosse um ator menos talentoso, talvez não conseguisse. Mas o maior destaque do elenco foi a Eliane Giardini. Também tinha um texto muito ruim e, no entanto, conseguiu impor uma personalidade à personagem. Não que a gente aceitasse as atitudes da personagem racista, mas convenceu bastante — pondera Xavier.
Entre altos e baixos, Carrasco mostrou que sabe como agradar ao público brasileiro com seus folhetins - é conhecido como fenômeno da faixa das seis e se saiu muito bem com Amor à Vida e a premiada Verdades Secretas (escrita junto de Maria Elisa Berredo) em horários mais nobres. E dada sua ótima performance nos índices de audiência seria realmente necessário se preocupar com a crítica especializada? Se for para fazer televisão de forma mais plural e reflexiva, sim. Mas se a ideia é usar fórmulas batidas para garantir um público cativo, talvez não. Cabe ao autor decidir.