Colorida e cheia de invenções curiosas, a casa da família Valentim talvez não seja mais um lugar tão seguro para se viver. Os pais desapareceram, os quatro filhos estão sozinhos e pessoas estranhas começam a rondar o lar. Betina (Rebecca Solter), João (Arthur Codeceira), Lila (Duda Wendling) e Theo (Otávio Martins) formam o quarteto que tenta descobrir o que aconteceu com papai e mamãe na trama Valentins – Uma Família Muuuito Esperta, estreia de Cláudia Abreu como roteirista – ela assina o texto ao lado de Flávia Lins e Silva, do sucesso Detetives do Prédio Azul. A série infantil será exibida a partir de segunda-feira (12), no Gloob, às 20h30min.
Na vida real, Cláudia também tem quatro filhos com o cineasta José Henrique Fonseca – que é o diretor-geral dessa nova produção da Zola Filmes. Mas as semelhanças do roteiro com o dia a dia da família param por aí.
– Não foi inspirado. Quis fazer uma família de quatro filhos em homenagem aos meus filhos, para que tivéssemos uma piada interna. É como se fosse um carinho para a infância deles – explica a roteirista estreante.
Em cena, Cláudia interpreta a mãe Alice, uma alquimista culinária, e Guilherme Weber vive o pai Artur, um renomado químico e inventor. Misteriosamente, o casal some sem deixar rastros. Somente o caçula Theo tem as respostas para o que realmente aconteceu.
– Ele é o único que sabe que os pais viraram ratos. Só que ele é muito criativo, inventa as coisas. Por isso, ninguém acredita nele – explica Martins, gauchinho de 8 anos que nasceu em Novo Hamburgo e conversou com ZH nos bastidores das filmagens da série no Rio de Janeiro.
Aventura e humor dão o tom dos 26 episódios desta temporada do seriado – a quinta produção nacional do canal –, mas o destaque é outro, avalia o diretor Calvito Leal:
– Tem um elemento de suspense tão incrível e diferente para crianças. Claro que é tudo tratado com cuidado, há um certo drama. As crianças estão passando por um trauma, sem os pais. A série foi trabalhada a partir dos medos, tudo é muito bem amarrado.
Família excêntrica e criativa
Nos bastidores, as crianças se divertem com os ratos vivos, fazem desenhos para colorir as paredes do camarim e se mostram fascinadas pelas invenções que Cláudia e Flávia inseriram no roteiro. Um armário que veste as roupas nos pequenos, uma máquina de conselhos e um telefone-robô que atende pelo nome de Graham Bell estão entre as criações malucas.
– Acho muito legal o cenário, tudo me chama atenção. Gostaria de ter a Graham Bell e a máquina de conselhos só para mim. Na verdade, gostaria de ter tudo – diz Duda, entre risos.
O quarteto protagonista tem entre 8 e 12 anos de idade. Por isso, as filmagens das cenas também são encaradas como uma grande brincadeira. Fingir que está dormindo, por exemplo, é um desafio e tanto para Martins, o menor da turma. Suas risadas abafadas no cobertor fazem o quadro ser repetido várias vezes sob o olhar atento do diretor Leal, que instrui as crianças com paciência e carinho de pai. Aliás, familiares não faltam no set. Mães e pais animados e esperançosos com o possível sucesso dos filhos lotam os corredores e os camarins.
VALENTINS - UMA FAMÍLIA MUUUITO ESPERTA
Estreia segunda-feira (12), às 20h30min
Exibição de segunda a sexta
Gloob
ENTREVISTA COM CLÁUDIA ABREU
Como surgiu a ideia do projeto Valentins?
Eu já estava há bastante tempo querendo escrever. Sou sócia da Zola e, na verdade, tinha muito desejo de projetos em que pudesse desenvolver o conteúdo não necessariamente para fazer como atriz. E um desses desejos era fazer conteúdos com as crianças. Na última década e meia, desde que comecei a ter filhos (Cláudia é mãe de Maria, Felipa, José Joaquim e Pedro Henrique, que têm entre 6 e 16 anos), fiquei muito envolvida vendo filmes, peças e muita literatura infantil. Fiquei também vendo que faltava: apesar de termos boas séries para crianças, não são muitas nacionais. Lembro que, quando eu era criança, tinha o Sítio do Pica-Pau Amarelo, um ou outro conteúdo brasileiro. Sempre consumimos muito Disney, canais fechados, programas americanos da TV a cabo. Por isso, comecei a ter um desejo de desenvolver esse conteúdo nacional para crianças. Fiz o Pluft, a peça da Maria Clara Machado, duas vezes também com esse desejo de usar a minha profissão e mostrar para os meus filhos como trabalho. Me encantei muito de fazer para crianças. Valentins nasceu de uma observação. Ao inventar e contar histórias para os meus filhos, percebi que eles têm muito desejo de ouvir histórias sobre medo, de superar os próprios medos. Entendi que os medos eram muito centrais na vida de uma criança. Ela tem todos os medos do mundo, desde de entrar na escola, lidar com o outro, mar ou qualquer outra coisa. É muito rico esse tema.
Como foi a parceria com Flávia Lins e Silva? A experiência com o Detetives do Prédio Azul ajudou de alguma forma?
A parceria foi maravilhosa. Na verdade, procurei-a antes do sucesso do Detetives do Prédio Azul, em 2012, por causa da personagem Pilar (série de livrosDiários de Pilar). Aí, ela de cara gostou da ideia e começamos a desenvolver juntas. Escrevemos a quatro mãos mesmo. Ela foi muito generosa, eu nunca tinha escrito ficção, só na faculdade. Ela já era uma autora conhecida e dividiu comigo tudo. Ela não só apostou como me estimulou durante todo o processo. Me deu muita confiança. Começamos as filmagens em 2016, e o Gloob, de cara, já pediu duas temporadas.
Quais os principais desafios de se aventurar pela escrita?
É minha estreia como roteirista de fato. Antes, só tinha escrito coisas para mim. Uma coisa é escrever sem compromisso, outra é ter essa responsabilidade do canal apostar e da própria Flávia apostar. Eu tinha que colocar em prática (risos). Queria retribuir a confiança, entrei com tudo. Entrei com o desejo de abrir uma nova janela depois de tantos anos de profissão. Se reinventar.
A experiência como mãe ajudou na produção? Você se inspirou na sua família para compor a trama?
Não foi inspirado. Quis fazer uma família de quatro filhos em homenagem a eles, para que tivéssemos uma piada interna. É como se fosse um carinho para a infância deles. Meu desejo é produzir uma série que eles lembrem que a mãe e o pai (José Henrique Fonseca, diretor geral de Valentins) produziram. Sem dúvida, isso é algo carinhoso, mas não é sobre a gente. As crianças não são pautadas nas personalidades dos meu filhos. É uma homenagem. Mas claro que, sem dúvida, a minha experiência por estar em contato há algum tempo com as crianças, com tanto conteúdo infantil, me enriqueceu com informações. Na hora de escrever, fluiu. Vejo 10 vezes os filmes infantis nos cinemas (risos).
Quais são os novos desafios que uma produção para o público infantil traz?
Uma coisa que é muito comum é o ator começar trabalhando na escola de teatro, faz algumas peças infantis, passa para o teatro adulto, depois o audiovisual, cinema e TV. Foi bem assim comigo. Desde os 15 anos, já estava em cartaz com teatro profissional infantil. Mas, geralmente os atores, o mundo, os diretores e os autores não valorizam a cultura infantil. Tem pouca produção infantil na TV aberta, quase nenhuma. Não se pensa muito nisso, na formação da cultura desde a infância. Acho isso um absurdo. Com esse pensamento, tenho o desejo de trabalhar para a infância. É fundamental para a formação do indivíduo. Realmente acho que isso não é tão valorizado no Brasil. Não existe muito esse investimento, nem de verbas. Nas duas vezes que eu fiz Pluft, fui premiada com o único prêmio de teatro infantil do Rio de Janeiro (Prêmio Zilka Sallaberry). Isso não foi noticiado em lugar nenhum. Não existe espaço para falar sobre as coisas de criança. Como atriz, pegando a experiência que tive lá atrás, é muito interessante trabalhar para criança. É um público muito sincero, não tem filtro. Os adultos vão criando filtros. As crianças falam e interagem abertamente. É espontâneo e desconcertante.
E a questão da ciência? É uma maneira de estimular as crianças nessa área?
É, sim. A ciência dá mil possibilidades. Não só dá possibilidades de ser uma família que tem o pensamento científico, de valorizar o conhecimento, como dá também de valorizar a experiência. De empiricamente conseguir superar uma dificuldade. É a nossa mensagem maior: que as crianças sejam criativas, independentes, autônomas. Que elas não precisem sempre de um adulto para conseguir superar uma situação de medo. A situação dos pais desaparecerem é para as crianças se virarem sozinhas. É experimentar, ser uma criança corajosa. Ter esse desejo de superar as adversidade. E isso com a união da família.
Já na concepção do texto havia a ideia de trabalhar com ratos em cena?
A gente tinha que tirar os pais de cena. Eles iriam viajar, aí, de repente, a gente precisava de uma solução sem ser pesada para eles sumirem, algo lúdico. Um dos filhos sabem que eles não morreram. Por meio da ciência e da alquimia, a gente conseguiu fazer essa experiência em que o vilão os transforma em ratos. É uma maneira de os pais estarem presentes e, aos poucos, os filhos descobrirem as coisas e ficarem menos angustiados. O arco maior da história é do medo de perder os pais. Partimos do medo fundamental das crianças.
Valentins tem uma pegada mais comédia? Traz suspense e aventura também?
Um pouco de tudo. É uma série que tem suspense, medo e adversidades. Em cada episódio, a gente apresenta um medo diferente exatamente para isso ser dinâmico. Eles vão resolvendo com criatividade. Tem também aventura, humor. O vilão é engraçado, se disfarça de várias coisas diferentes para enganar as crianças. O Lobianco (ator que interpreta Randolfo) não é um vilão pesado. A gente quer que seja divertido: tem música, um dos personagens gosta de rock. É uma casa muito animada, tem uma doceria. A mãe é uma alquimista que leva a ciência para a culinária.
Como você vê a aposta em live-action para crianças? É um ramo que tende a crescer?
A TV a cabo cresceu tanto, e os canais infantis e de esporte lideram de maneira geral. O nicho infantil na televisão aberta realmente não vejo crescer. Talvez uma aposta seja fazer um intercâmbio: produzir na TV fechada e também exibir na aberta. Torço para que isso aconteça. O live-action, no Brasil, é uma realidade mais viável financeiramente. Tenho um projeto de animação do Mico Maneco, personagem da Ana Maria Machado, que é anterior aos Valentins e ainda está em um processo vagaroso. É muito caro.