A enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio afetou importantes espaços de preservação da história, como o Museu Estadual do Carvão, instituição da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) situada em Arroio dos Ratos, na Região Carbonífera. Entre os prejuízos deixados na edificação e nos objetos de exposição, o acervo documental ficou submerso pela inundação e está sendo recuperado.
Considerada pela Sedac como "inovadora", a técnica consiste em três etapas: congelamento, descongelamento controlado e desinfecção com ozônio. Assim, aproximadamente 650 caixas de documentos históricos e cem maços de registros museológicos de grandes dimensões, que tiveram a sua integridade comprometida, poderão ser disponibilizados novamente para pesquisas e preservados para as futuras gerações.
Para este delicado processo, todo o acervo documental, que conta a história da mineração carbonífera no Rio Grande do Sul desde o século 19, foi transferido, logo que a água recuou, para um frigorífico em São Jerônimo, onde foi congelado. Com esta ação rápida, evitou-se a proliferação e a colonização de microrganismos, garantindo a preservação dos materiais até que o processo de recuperação pudesse ser iniciado.
Com o objetivo de salvar este capítulo da história da mineração, a Sedac, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do Estado, a partir de recursos doados pelo Banrisul — a estimativa é de R$ 300 mil para a aplicação da técnica —, contratou uma empresa paulista de preservação de acervos e o especialista alemão Stephan Schäfer, que lidera o trabalho.
A iniciativa conta com colaboração da restauradora do Palácio Piratini, Isis Fofano, e está sendo realizada nas dependências do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (Marsul), em Taquara, onde foi montado um "laboratório de secagem". A expectativa é que o processo seja concluído até o final de outubro.
— O material ficou mais de cinco meses congelado. Este processo é importantíssimo para que haja tempo de se organizar. Agora, estamos fazendo trabalho de secagem e desinfecção em massa. Temos uma quantidade monstruosa de papel de arquivo, que você não consegue pegar folha por folha. Iria demorar anos. O trabalho que estamos fazendo é inédito — explica Schäfer.
De acordo com o alemão, que vive há 28 anos no Brasil, foram mais de dois meses de planejamento para que tudo funcionasse como um "relógio suíço". O processo, segundo Schäfer, torna-se caro pela mão de obra e pelos equipamentos específicos — incluindo um gerador industrial de ozônio, que ele importou da Alemanha e serve, inclusive, para esterilizar o salão inteiro onde o acervo se encontra.
— Tem que agir rapidamente, porque a água que atingiu os documentos é uma mistura de rio e esgoto. E, com isso, surgem microrganismos, que são o que mais nos preocupa, uma vez que podem nascer cogumelos. Felizmente, vai dar para salvar tudo, porque estava tudo dentro de caixas, muito bem organizado. Não se perdeu uma folha sequer — explica o restaurador, que complementa: — Pode haver um pouco terra, lama, mas quando estiver seco, vira pó e sai na trincha, no processo de higienização. Mas vai ser 100% recuperado, acessível e legível. Vai sair praticamente perfeito, só com alguma sujidade, pequenas deformações, eventualmente.
Próximas etapas
Após toda a etapa envolvendo o trabalho do alemão e sua equipe, haverá uma movimentação para catalogar exatamente o que consta no acervo preservado no Museu Estadual do Carvão. Assim, será criado um laboratório de restauração de documentos, a ser implantado na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), em Porto Alegre. Após a conclusão desta etapa, que deverá levar quase dois anos, o material será novamente disponibilizado para consulta pública.
— Dentro desta documentação, tem a descrição dos processos de construção das minas, os materiais utilizados, os relatos e materiais dos mineiros, como carteiras de trabalho. Possui um valor histórico muito grande e é utilizado por muitos pesquisadores da área da História — conta Eduardo Hahn, diretor do Departamento de Memória e Patrimônio da Sedac.
O museu foi criado em 1986, em Arroio dos Ratos, e tem uma área de aproximadamente 10 hectares. Para além dos documentos, ainda tem em exposição ferramentas e utensílios de extração mineral, peças em porcelana para eletricidade e tijolos refratários vindos da Europa, entre outros objetos. Na propriedade, também estão as ruínas do antigo poço de extração número 1, inaugurado em 1908, e as galerias da primeira usina termelétrica do Brasil, que funcionou de 1924 a 1956, construída pela Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo (CEFSMJ).
Há mais iniciativas envolvendo o Museu Estadual do Carvão, que precisa da recuperação física de sua estrutura, uma vez que foi avariada com a enchente, quando ficou quase dois metros debaixo d'água. O espaço teve seu reboco descascado, pintura manchada, portas de madeira inchadas, entre outros problemas, sendo o mais grave a questão da energia elétrica que, até agora, está desligada, pois a rede ficou submersa.
— O complexo conta com sete edificações e todas sofreram algum tipo de avaria. Também estão em andamento ações de recuperação física destes imóveis e a recuperação do acervo tridimensional, que são as peças do museu e que ficaram debaixo d'água. Algumas ficaram sujas e outras oxidaram. São várias frentes para recuperar o espaço — reforça Hahn.