Por Guilherme “Smee” Miorando
Doutorando em Comunicação, curador da Gibiteca da Biblioteca Pública do Estado e presidente da Associação de Quadrinistas do RS (Aquarios)
Existem dois grandes preconceitos a respeito das revistas e das histórias em quadrinhos. Que eles são uma mídia menor do que outros tipos de comunicação, arte ou literatura e que quadrinhos são feitos, lidos e consumidos apenas por um público infantil. Muitos leigos no estudo e na produção de quadrinhos, na tentativa de defendê-los, usarão esses conceitos formados previamente para defendê-los. Foi o que aconteceu na coluna de Carpinejar publicada em GZH na última terça-feira. Na tentativa de defender a candidatura de Mauricio de Sousa, pai da Turma da Mônica, a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, o colunista incorreu em equívocos sobre o universo da produção, consumo e estudo das histórias em quadrinhos.
Portanto, é preciso elucidar algumas questões sobre os quadrinhos que estão no imaginário do brasileiro e que acabam desembocando em preconceitos. Em primeiro lugar, defendo que os quadrinhos são um meio de comunicação, embora haja quem diga que é um sistema de linguagem, que é a nona arte, que é material educativo ou paraliteratura. Os quadrinhos, como um encadeamento de imagens e textos para conferir um sentido no seu público, são tão literatura quanto o teatro, o cinema ou a televisão. Ou seja, por trazerem texto, esses meios não são literatura, eles são outra coisa, uma coisa própria.
Ao mesmo tempo, sua importância não é marginal, como algo distante da dita alta cultura, dos eruditos. Existe erudição em todo tipo de meio de comunicação, dos mais celebrados como o cinema e a literatura até os menos visados como os quadrinhos e o grafitte. Também na literatura e no cinema existem produtos de mais fácil entendimento e voltados ao público infantil, mas ninguém tem a ousadia de dizer que literatura ou cinema são coisas de criança.
A importância do quadrinho no Brasil é tal que muitos de nós, como eu, se alfabetizaram com a ajuda dos gibis de Mauricio de Sousa, que hoje abrangem um público que vai da pré-alfabetização aos octogenários, que podem ser contemplados com as releituras de personagens da Turma da Mônica feitos na iniciativa Graphic MSP por conceituados quadrinistas brasileiros.
Carpinejar questiona se pintura é tudo aquilo que vai na moldura do quadro. No caso dos quadrinhos, essa delimitação de espaço é essencial para sua leitura e entendimento, uma vez que é através da justaposição dessas molduras que se encadeia a narrativa de uma história em quadrinhos. Carpinejar também traz à discussão que, ao retirar as imagens, os textos da Turma da Mônica seriam literatura. Contudo, um dos princípios dos quadrinhos é a própria interdependência entre imagem e palavra que faz com que o leitor perceba algo que não está nem na escrita e nem no puramente visual, mas algo que vem da junção dos dois, criando um terceiro significado.
Quando se quer defender os quadrinhos dando a eles status de literatura, de cinema, de artes plásticas ou de algo mais erudito acaba-se negligenciando-os como uma coisa própria, que independe de seus “primos ricos” das artes. O quadrinho deve ser celebrado também porque é pop, porque permite essa celebração e o alcance das camadas populares do público através do entretenimento. É um equívoco buscar um status para o quadrinho comparando-o com expressões humanas mais valorizadas. Os quadrinhos não são só escrita ou só arte. Pensar assim é como entender a televisão como apenas som ou apenas em sua visualidade, quando uma coisa depende da outra para que seja entendida como audiovisual. E é por isso que os quadrinhos também são entendidos como arte sequencial. Imagens que dependem da sequencialidade para serem compreendidas narrativamente. Mas os quadrinhos não são só narrativa. Existem inúmeras possibilidades sendo forjadas em laboratórios criativos e inúmeras possibilidades para serem descobertas, já que este é um meio para o qual poucas pessoas dão o devido valor.
James Akel, que tentou desqualificar Mauricio, não enxerga valor nos gibis. O dramaturgo e turismólogo disse que “gibi não é literatura”. Não é. Ele contém literatura. Assim como contém pintura. Ainda, alguns estudiosos poderiam defender que contém som e movimento. Tudo isso não desqualifica o pai da Mônica como autor de livros que começou sua carreira também fazendo publicações para crianças (ver Maurício: O Início). Após debater alguns conceitos básicos da dita nona arte, concluo afirmando que quadrinhos são leitura e são livros. Mas não são literatura.
Saiba mais
O “pai da Turma da Mônica” Mauricio de Sousa é um dos concorrentes à cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Os demais são o filólogo Ricardo Cavaliere e o jornalista James Akel, este último um dos responsáveis por desencadear a polêmica em torno do status dos quadrinhos ao afirmar, em vídeo nas redes sociais, que “gibi não é literatura”. A eleição será na próxima quinta-feira (27/4).