Jô Soares morreu nesta sexta-feira (5), aos 84 anos, deixando um legado de notória contribuição para a cultura do país. Afinal, foi apresentador, humorista, ator, diretor, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, onde desde 2016 ocupava a cadeira de número 33. O que pouca gente sabe é que sua contribuição chegou também a Porto Alegre.
O multiartista foi peça importante para a reforma do Theatro São Pedro, idealizada na década de 1980 por Eva Sopher (1923-2018), ex-presidente da Fundação Theatro São Pedro. É o que conta a designer Renata Rubim, filha de Dona Eva:
— Teve uma parte da obra que estava enfrentando problema de não vir a verba, então, para contornar, a mãe lançou uma campanha convidando artistas a doarem os seus trabalhos. E o Jô se ofereceu para vir aqui fazer um show dele, em uma parte da obra que era a única que não tinha terra e essas coisas. Ele veio, pagou a passagem, doou o cachê e, claro, isso aumentou muito a divulgação, e as pessoas ficaram interessadas em doar para a obra.
A apresentação de Jô Soares reuniu um público considerável no Foyer do São Pedro, que, vale destacar, ainda estava em reforma quando o recebeu. Ou seja, o espetáculo foi encenado em meio ao canteiro de obras, na base da gambiarra. Mas nem Jô e nem o público se importaram com a falta de estrutura.
— O show foi muito legal, porque foi mesmo em clima de obra. Me lembro bem daquele dia porque achei uma ousadia chamar as pessoas para lá. Obra é obra, tem andaime, tem pedra, tem cimento. Claro, foi em uma parte razoavelmente limpa, mas a gente via a obra acontecendo — recorda Renata, que define a apresentação como histórica.
Jô Soares também nunca mais esqueceu da ocasião, muito menos das pilhas de madeira roída por cupim que encontrou ao chegar ao São Pedro naquele dia. Quando recebeu Eva Sopher em seu programa em 2014, ele lembrou do choque que tomou ao ver o Theatro e disse que ficou em sua memória a imagem da antiga estrutura do São Pedro carunchada.
Neste mesmo programa, Dona Eva aproveitou para divulgar a construção do Multipalco, outro legado seu para o São Pedro. E é claro que a visibilidade trazida à causa pelo Programa do Jô refletiu-se em doações para o projeto, consolidando outra contribuição do Gordo para o teatro gaúcho, agora indireta.
Renata diz não saber exatamente como começou relação de Jô com o São Pedro e a mãe, mas aposta na "cara de pau" de Dona Eva como a principal responsável.
— Nada me surpreende vindo da minha mãe, porque ela era uma guerreira que procurava todas as possibilidades. Ela era um gênio do Marketing à frente do seu tempo e conseguia coisas que ninguém pensava em conseguir. Eu lembro da alegria dela quando ele veio para cá e da alegria dele por poder colaborar — diz, ressaltando o que ele e Dona Eva tinham em comum:
— O Jô era uma pessoa muito lúcida e brilhante em tudo, na arte e no seu posicionamento social e político. Todas essas pessoas geniais que a gente vem perdendo, pessoas que olharam além dos seus tempos, formam um buraco que é difícil de preencher. E a gente está precisando muito de pessoas assim nesse momento em que o nosso país vai indo tão para trás na cultura. Estamos passando por um momento muito sombrio, e fico feliz que minha mãe não esteja acompanhando. O Jô certamente também sentia isso.