Quando fui convidada para escrever minha visão sobre Caxias do Sul como homenagem pelos seus 132 anos de emancipação, uma imagem veio em mente antes de qualquer outra que buscasse projetar. Uma construção antiga bem no Centro da cidade, abraçada por outros prédios mais novos, ocupando uma quadra inteira na Avenida Júlio de Castilhos. Nas suas escadarias, o vai e vem de pessoas 24 horas por dia. Uma pequena cidade que não para, e dentro de outra com mais de 400 mil habitantes. A foto mental que surgiu foi a do Hospital Pompéia.
Aproximando um pouco mais a lente, enquadro a primeira vez que me lembro de ingressar na instituição, descontada aquela que resultou no registro de minha certidão de nascimento. Depois de nascer no local onde muitos dos caxienses vieram ao mundo, incluindo moradores de certas cidades vizinhas (como Farroupilha, no meu caso), eu voltei à instituição de saúde aos 8 anos, no dia 1º de maio de 1994. No mesmo dia da morte de Ayrton Senna, chegavam apressadas gêmeas prematuras.
Do pátio do hospital, enquanto aguardava para conhecer minhas irmãs, eu olhava para aquela imensidão de janelas, tentando descobrir em qual delas minha mãe estaria com elas, e como seria a vida a partir daquele momento. Os olhos azuis que contemplei naquele dia me fizeram mergulhar em um mar de cumplicidade. Juntos, pai, mãe e três filhas, por muitas vezes, encheram uma D20 preta, de Farroupilha a Caxias, estacionando nas imediações do Pompéia atraídos pelas fartas opções do comércio caxiense. O sapato e a roupa da primeira eucaristia e outros trajes especiais eram motivos nobres para recorrer ao famoso quadrilátero caxiense. Naquela época nem tinham as dezenas de imigrantes que ocuparam as calçadas em busca de sustento para uma nova vida.
Anos mais tarde, frequentei estas mesmas imediações como repórter. Por muitas vezes, enquanto aguardava para obter uma entrevista de alguém internado no Pompéia, esperava do lado de fora contemplando aquelas janelas e imaginando quem estaria do outro lado, o que o trouxe até ali e o que viria pela frente. Em outra oportunidade, com a internação de um familiar, o exercício contrário, de observar pela janela, e imaginar as histórias das pessoas que passavam pela Júlio, ajudava a me distrair para que pudesse fazer o mesmo com quem contava as horas e as plaquetas.
Nas vezes em que estive no hospital a trabalho, também fui motivada por nascimentos, ou melhor, por renascimentos. Quantos casos de acidentes graves em que o hospital, por ser referência em traumatologia, foi palco para histórias de pessoas que “nasceram de novo”. Do motorista que caiu em uma cachoeira e foi encontrado após 24 horas, a quem recebeu um transplante ou tocou o sininho do Instituto do Câncer do Hospital Pompéia, histórias que recomeçaram. Muitas delas em outro plano...
É o ciclo vida-morte-vida que contemplo toda vez que observo as janelas deste hospital, que refletem também as árvores, a natureza que se renova. Onde há o tempo de contemplação da última folha de outono, da resistência que insiste em teimar com a passagem do tempo... Falta ver que um ciclo é composto de dezenas de outros ciclos, assim como a cidade de Caxias é composta de dezenas de outras vidas que a criam e a recriam no vai e vem de suas quatro estações em um mesmo dia.