A Justiça Federal determinou a suspensão imediata dos efeitos da portaria do governo federal que veta utilização da linguagem neutra nos projetos financiados pela Lei Rouanet. Publicada em outubro do ano passado, a decisão havia sido assinada pelo secretário nacional de fomento e incentivo à Cultura, André Porciúncula.
A linguagem neutra representa pessoas não binárias — que não se identificam com o gênero masculino ou feminino — através de substantivos, adjetivos e pronomes neutros, como "menine", "todxs" e "amigue". Seu uso aumentou nos últimos anos como forma de inclusão de transexuais, travestis, queer, intersexuais e demais não binários.
A medida foi contestada na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF), que argumentou que proibir o uso da linguagem neutra configura censura prévia, reforça o capacitismo, constitui obstáculo ao exercício plural do direito à cultura e da liberdade de expressão e ofende os princípios da igualdade, não discriminação e dignidade da pessoa humana.
A decisão é provisória e foi concedida por Herley da Luz, juiz titular da 2ª Vara Federal de Rio Branco, no Acre, mas tem abrangência nacional. Com isso, o uso da linguagem neutra nos projetos volta a ser permitido.
"Há diversas formas de indicar descontentamento com determinada opinião, manifestação ou cultura. A censura, com a definição de qual conteúdo pode ou não ser divulgado ou de qual linguagem pode ser utilizada numa obra artística (se neutra, se em português, se mandarim etc.), deve-se dar em situações excepcionais, para que seja evitada uma verdadeira imposição de determinada visão de mundo", afirmou o juiz federal, na decisão.
Para Herley da Luz, a suspensão da portaria se justifica porque o texto já está em vigor e, por isso, produzindo efeitos negativos com "caráter de censura". "O perigo de dano também se encontra presente. A portaria já se encontra em vigor e pode incidir nos projetos culturais já financiados pela Lei Rouanet ou os futuros que pretendam utilizar linguagem neutra, configurando, em juízo sumário, caráter de censura."
O magistrado também escreveu na decisão que a expressão em obras artísticas deve ser livre e que, se alguém não gostar de determinado trabalho, pode optar por não consumi-lo. "A liberdade é via de mão dupla. É livre a expressão de obras culturais. Outrossim, é livre a opção por não consumir obras que não concorde ou que não se enquadre no gosto individual".
Relembre a portaria
Publicada no Diário Oficial da União, a portaria proíbe o "uso e/ou utilização, direta ou indiretamente, além da apologia, do que se convencionou chamar de linguagem neutra".
"Entendemos que a linguagem neutra (que não é linguagem) está destruindo os materiais linguísticos necessários para a manutenção e difusão da cultura. E que submeter a língua a um processo artificial de modificação ideológica é um crime cultural de primeira grandeza", justificou o subsecretário da Cultura, no texto oficial.
Na sequência, ele ainda afirma que a linguagem neutra é "um objeto artificial, sem significado real" e "exclui a população, principalmente aqueles que são deficientes visuais e auditivos, os quais não podem contar com a tradução dos programas de computação".
Na época, em suas redes sociais, Porciúncula afirmou que a iniciativa foi alinhada com o agora ex-secretário Especial de Cultura do governo Bolsonaro, Mario Frias, exonerado nesta quinta-feira.