O produtor executivo do Festival de Jazz do Capão, Tiago Alves de Oliveira, e 13 deputados federais que integram a Comissão de Cultura da Câmara acionaram a Justiça pedindo a suspensão do parecer da Fundação Nacional das Artes (Funarte) que impediu, pela primeira vez em nove edições do evento, que os organizadores pudessem captar recursos por meio da Lei Rouanet.
O grupo argumenta que há um "latente perigo de sequestro da máquina pública para a retaliação de movimentos culturais que não se posicionam favoravelmente às pessoas que ocupam o governo federal" e pede reanálise da solicitação do festival para angariar recursos por meio de leis de incentivo fiscal.
"Haja vista que não houve parecer técnico fundamentado e motivado, verifica-se a violação da legislação e, como se não bastasse, a finalidade do ato foi desviada para favorecer interesses pessoais, o ato demonstra contornos do abuso de poder e improbidade administrativa dos gestores, amoldando as decisões do órgão ao preconceito destilado pelos gestores e seus correligionários", registra a petição inicial.
A ação frisa que o parecer da Funarte se manifesta "na direção contrária ao acesso, apoio, difusão e proteção das manifestações culturais ao limitar o conceito do que venha a ser arte, música e cultura à sacralidade, a estar em "união a Deus", consistindo assim em "violação crassa e ululante à legislação". Nessa linha, os parlamentares e o produtor executivo do festival pedem, no mérito, que seja reconhecido o desvio de finalidade do parecer, bem como a violação à laicidade do Estado, com a anulação do documento.
"Explanado extensivamente que o ato objeto desta ação retira a neutralidade a qual devem revestir as instituições públicas, e ferem de morte os princípios democráticos, devendo ser imediatamente corrigidos para voltar-se à sua finalidade real e não aos interesses pessoais e comezinhos daqueles que usurpam a função pública", frisa a ação.
O documento questionado foi assinado no dia 25 de junho, pelo parecerista Ronaldo D. Gomes e por Marcelo Nery Costa, diretor executivo da Funarte, e cita uma postagem feita pelo festival em 2020, em que o evento se posicionava como antifascista. O parecer cita Deus em diversos trechos e chama a atenção para o "desvio do objeto, risco à malversação do recurso público incentivado com propositura de indevido uso do mesmo".
O parecer começa com uma citação atribuída a Johann Sebastian Bach: "O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma". Mais adiante, quando vai discutir a "aplicabilidade da lei federal de incentivo à cultura em objeto artístico cultural" é possível ler: "Por inspiração no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus." Após um trecho de um canto, o texto segue: "A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador."
Para os autores da ação apresentada à Justiça, não há "fundamentação alguma" no parecer. O documento, segundo eles, apresenta "menções desconexas" e "argumentos desarrazoados", sem o "correto enfrentamento concreto da situação real e dos critérios é obrigado a seguir". "Ainda que se considere existente algum nível de argumentos expendidos, estes são completamente precários, inexistentes, violam a legislação e direcionam-se em caminho diametralmente oposto à finalidade legal", frisam.
A ação diz ainda que a Funarte se "imiscuiu da análise técnica dos requisitos autorizativos do projeto para analisar exclusivamente caracteres subjetivos da autoria, do festival, e assim, vislumbrando que não havia alinhamento ideológico às suas preferências, usurpando a correta determinação que o múnus público obriga, indeferiu o requerimento".