Por Adriana Donato e Lígia Madeira
Produtora cultural, especialista em Economia da Cultura, doutora em Políticas Públicas (UFRGS) / Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFRGS
Em 2021, a Lei Rouanet completa 30 anos, e há mais de 10 anos se discute sua alteração. Em 2010, foi encaminhado o PL nº 6.722/2010 – Pró-Cultura, que tramitou até 2014 e pretendia substituir a Lei Rouanet. Em 2017, foi a vez do PL nº 7.619/2017, que partiu da CPI da Lei Rouanet e visa a mudanças consideráveis no Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Este último, se aprovado, pode trazer fortes impactos, inclusive para os projetos culturais gaúchos, que, fora do eixo Rio-São Paulo (onde se concentram cerca de 80% dos projetos incentivados) enfrentam dificuldades na captação de recursos. É indiscutível a necessidade de atualizar a Lei Rouanet, que está defasada.
Vale destacar que a regulação da cultura se iniciou na redemocratização, no governo José Sarney. Após a criação do Ministério da Cultura, em 1985, com Celso Furtado de ministro (1986-88), o Brasil teve a primeira experiência com incentivo fiscal na área com a Lei Sarney n° 7.505/86, que durou até 1990. Nela, só existia a modalidade de mecenato (incentivo fiscal), que previa a concessão de benefícios fiscais, permitindo a dedução no Imposto de Renda de até 2% do imposto devido para pessoas jurídicas e 10% para pessoas físicas.
Em 1990, quando Collor transformou o ministério em Secretaria da Cultura, também revogou a Lei Sarney. O sociólogo Sérgio Paulo Rouanet foi o secretário a editara nova lei de incentivo à cultura. Em dezembro de 1991, foi sancionada a Lei n° 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet, restabelecendo princípios da Lei n° 7.505/86 e instituindo o Pronac, que ampliou o fomento com três modalidades: incentivo fiscal (mecenato), que redefiniu o modelo da lei anterior (pessoas físicas podem deduzir até 6% do IR devido e pessoas jurídicas podem deduzir até 4%); o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo de Incentivo Cultural e Artístico (Ficart), sendo que este último não foi ativado.
Em 1992, o Ministério da Cultura foi restabelecido pela Lei 8.490. Em 2003, a Presidência aprovou a reestruturação da pasta, por meio do Decreto 4.805. Nesse período, foram realizadas atualizações na Lei Rouanet, com o Decreto 5.761/2006, que regulamentou novas funcionalidades para a lei.
O PL nº 7.619/2017, que tramita no Congresso desde 10 de maio de 2017, prevê mudanças significativas na Lei Rouanet. Estando sob a relatoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) desde 19 de março de 2019, com parecer aprovado por unanimidade na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e com a última tramitação em 18 de novembro passado, o projeto prevê sobretudo fortalecer o FNC, entre as alterações propostas. Destacamos a seguir, em seis itens, as mudanças que podem gerar maior impacto:
- Redução da contrapartida de 20% para 10% dos projetos apoiados via fundo, podendo o valor restante ser objeto de incentivo fiscal (“Financiamentos obtidos junto a fundos de cultura ou leis de incentivo à cultura de Estados, municípios ou Distrito Federal” – hoje a contrapartida é com recursos próprios, bens ou serviços);
- Contribuição obrigatória de 20% por parte de patrocinadores com recursos oriundos dos projetos do incentivo fiscal ao FNC (“No caso de projetos culturais com valor total aprovado pelo Ministério da Cultura superiores a R$ 500 mil”; nesse caso, os proponentes terão autorização para captar 20% a mais – hoje não há esse repasse e há grande dificuldade na captação de recursos e essa mudança dificultará ainda mais isso);
- Repasse do FNC a transferências diretas, fundo a fundo, de Estados, de municípios e do Distrito Federal (hoje não há essa possibilidade);
- O PL prevê trazer a música cantada para o artigo 18 da lei, oportunizando a dedução de 100% por parte do patrocinador, incluindo (NR) alínea (j): “Outros gêneros musicais não referidos na alínea ‘c’ deste parágrafo, cujos artistas sejam caracterizados, nos termos do regulamento, como iniciantes” (hoje são enquadrados no artigo 26, onde patrocinador só pode abater de 40% a 60%);
- Inclusão, no artigo 19, de um parágrafo que “obriga as propostas avaliadas pelo ministério como de alto potencial lucrativo a buscarem primeiro o financiamento junto ao Ficart para só depois, em caso de insucesso, fazer uso do mecenato” (o Ficart está previsto na lei, porém, nunca foi ativado);
- Permissão de isenção fiscal para empresas que recolhem IR pelo lucro presumido para projetos aprovados no artigo 26 (hoje só empresas com tributação pelo lucro real podem apoiar) e aumento da alíquota das empresas patrocinadoras – de 4% para 6% no caso de projetos aprovados no artigo 26 para pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real cuja receita bruta seja maior que R$ 300 milhões e para pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido ou arbitrado (hoje a alíquota máxima é 4%).
O PL traz aspectos positivos quanto à descentralização dos recursos e ao fortalecimento do FNC. Mas a ideia de captar até 120% do montante previsto dos projetos acima de 500 mil, para que 20% sejam destinados ao FNC, será mais um entrave na captação de recursos, pois muitos projetos locais, casos da Feira do Livro de Porto Alegre, da Fundação Iberê Camargo, da Bienal do Mercosul e do Porto Alegre em Cena, entre outros projetos, inclusive de cunho social, costumam ter valores acima desse teto.