SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Paulistana de 28 anos, Maria Bopp é atriz. Foi protagonista da série "Me Chama de Bruna" (Fox) por quatro temporadas dando vida na TV à prostituta Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, que no cinema foi interpretada por Deborah Secco, 40.
Mas, além de atriz, ela resolveu, nos últimos meses, se tornar também a Blogueirinha do Fim do Mundo. Com sorriso largo e língua afiada, ela usa tutoriais de maquiagem e dicas de roupas para criticar o governo de Jair Bolsonaro e cobrar respostas pela morte de Marielle Franco (PSOL), por exemplo.
Hoje, já são quatro vídeos da blogueirinha publicados nas redes sociais da atriz. Não como crítica, mas como uma provocação aos verdadeiros influenciadores digitais, afirma ela. A crítica mesmo fica para o governo, que ela avalia como preocupante, principalmente, neste período de combate ao novo coronavírus.
"Eu sinto que o governo brasileiro hoje é um ônibus descontrolado, sem freios, descendo uma ladeira. E o motorista é um maluco cego", afirma Maria, que se diz de esquerda e comemora os comentários positivos de nomes importantes após suas publicações, como a jornalista e ex-candidata à Presidência Manuela d'Ávila (PC do B) e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Mas não foi apenas entre os políticos que seus vídeos fazem sucesso, a atriz viu o número de seus seguidores no Instagram saltar de 40 mil para quase 230 mil desde a primeira publicação da Blogueirinha do Fim do Mundo, em fevereiro. Mas isso poderia ser um caminho para um futuro político? "Não, nunca pensei nisso", afirma ela, em entrevista à reportagem.
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Pergunta - Como surgiu a ideia da Blogueirinha do Fim do Mundo?
Maria Bopp - Ano passado, eu fiz uma peça no final do ano, e o texto que a gente estava usando era "O Fim de Partida", de Samuel Beckett, que ele escreveu no fim da Segunda Guerra Mundial e é basicamente sobre dois personagens que vivem trancados em suas casas. Os diretores da peça pediram para darmos ideias do que seria o fim do mundo para gente. E aí, pensando em casa, sozinha, me veio a ideia dessa Blogueirinha do Fim do Mundo.
Ela é uma personagem essencialmente equivocada, que vê o mundo acabando, mas continua a fazer tutoriais de beleza, moda, maquiagem, porque, para ela, é isso que importa. E a partir daí eu comecei a usar a ironia para unir duas linguagens que não se misturam, que é a da blogueirinha e influencers e o debate político. São dois universos que não se misturam, tipo água e óleo. Aí, sim, eu fiz meu primeiro vídeo, o da maquiagem. Agora já são quatro.
A Blogueirinha do Fim do Mundo é uma crítica aos influenciadores e políticos?
MB - Eu acredito que não é necessariamente uma crítica às blogueirinhas. É uma ironia... Eu não chamaria de crítica, mas talvez de provocação. Porque eu acredito que essas influencers e esses influencers --não apenas mulheres, mas os homens também-- têm muito poder nas mãos, influenciam milhões de pessoas, mas não usam isso, ou talvez não tenham consciência do tamanho desse poder.
Você monitora esses perfis?
MB - Eu fiz esse exercício no ano passado, no primeiro ano do governo Bolsonaro, quando o Bolsonaro ou algum ministro falavam ou faziam alguma bobagem, besteira ou atrocidade, como é tão característico desse governo, eu fuçava os perfis desses influencers e até de algumas celebridades, artistas, cantores, atores, que têm milhões de seguidores, e na maioria das vezes eles não se posicionam em absoluto, não falam nada.
E como eles se posicionam?
MB - Eles se posicionam apenas diante de pautas mais fáceis, como meio ambiente, direito dos animais. Ninguém se atreve a dizer que é contra essas coisas. É como educação ou corrupção. Ninguém é a favor da corrupção! Ninguém é contra a educação! Então são pautas mais palatáveis e, por isso, as pessoas se posicionam, mas aqueles mais espinhosos, polêmico, que exigem uma posição a favor ou contra algum governo ou político, essas pessoas não se posicionam.
Essa falta de atuação lhe incomoda?
MB - Isso é muito contraproducente e até um desserviço, porque essas pessoas têm o poder de influenciar outras pessoas, elas constroem consciência, mas não consciência política. Elas constroem consciência de beleza, imagem e até de autoconhecimento, mas consciência política, que é a matéria prima das nossas relações, elas não julgam importante ou talvez não julguem fundamentais para serem expostas. E isso me incomoda, então talvez seja mesmo uma provocação.
A produção dos vídeos é totalmente sua? Ideia, roteirização, edição...
MB - Sim, tudo meu, faço tudo sozinha. A parte de escrever é a mais demorada. O último vídeo eu comecei a escrever quando ele [o presidente Jair Bolsonaro] fez o pronunciamento, falando da gripezinha, provocando o Drauzio Varella. Escrevi em dois dias, gravei em um dia e editei em outro dia e já postei. Então foram cinco dias.
Mas os outros [vídeos] eu demorei um pouquinho mais, fiz sem pressa. O da gripezinha eu quis correr para soltar logo. Ele [Bolsonaro] tinha acabado de fazer o pronunciamento e, no meu processo criativo, eu rendo melhor quando estou com mais raiva. E eu fiquei tão revoltada com esse pronunciamento, que foi o mais fácil de sair. Eu estava com muita raiva.
Você esperava a repercussão que teve?
MB - Não esperava. Eu gostava da ideia de fazer os vídeos, mas não imaginava o tamanho da repercussão. Fiquei muito feliz com o retorno que recebi. Dilma Rousseff me escreveu, eu fiquei muito feliz; o Kleber Mendonça Filho, diretor de "Bacurau" (2019), meu diretor preferido, também me escreveu; além de muitos políticos que eu adoro, que são referências políticas pra mim também me escreveram, como Manuela d'Ávila, Fernando Haddad, Marcelo Freixo, para mim foi um reconhecimento bacana. E tiveram muitas atrizes que eu admiro, eu sou atriz também: Dira Paes, Ciça Guimarães, Julia Lemmertz, Carolina Dieckmann, até a Mônica Benício [viúva de Marielle Franco]. Foram pessoas muito bacanas.
Os comentários foram mais positivos ou negativos?
MB - Proporcionalmente, os comentários positivos são muito maiores do que os negativos. Acho que o algoritmo me protege um pouco, mas, além disso, os comentários negativos são muito genéricos. Não sei se uma parte é post de robôs, outras de fakes, mas são sempre muito genéricos. "Mito", "aceita que dói menos", são coisas muito sem debate. Não tem argumento e, mesmo quando tem, eles partem para uma coisa como "ah, acabou a mamata", um discurso genérico, que não me atinge porque é vazio.
Os vídeos devem continuar?
MB - Sim, vão continuar, com certeza. Eu estou escrevendo... Na verdade eu estou num processo, tocando três vídeos ao mesmo tempo.
Como você vê a política brasileira hoje?
MB - Eu acho muito preocupante, principalmente pelo momento exato em que a gente vive, de pandemia. Ele está indo na contramão de todas as autoridades sanitárias, de todos os médicos, de todos os líderes mundiais. Isso me preocupa muito. Obviamente, meus vídeos deixam claro o quanto eu sou contra e crítica ao governo de Bolsonaro, mas agora eu estou de fato preocupada, porque a irresponsabilidade dele, ou a responsabilidade dele pelas mortes e pelo que vem a seguir, me assusta muito, eu não sei mais do que ele é capaz.
Infelizmente, não dá pra dissociar a política no Brasil disso [da pandemia]. A gente está afundado agora nesse desgaste do debate que é tentar fazer o Bolsonaro enxergar o mínimo de bom senso. A gente perde muito tempo com isso, quando a gente deveria estar se dedicando a coisas mais importantes, mas é isso. Eu sinto que a política brasileira hoje, o governo brasileiro hoje é um ônibus descontrolado, sem freios, descendo uma ladeira. E o motorista é um maluco cego, com uma máscara cobrindo os olhos.
E como vê a esquerda brasileira hoje? Ela ou a oposição, de modo geral, estão pouco articuladas?
MB - Isso tem a ver com a Blogueirinha do Fim do Mundo... Eu acho que a esquerda é séria demais, acho que a gente briga muito entre si. E eu falo "a gente" porque eu me incluo. Não acho que estamos desarticulados no momento, acho que estamos articulados contra o Bolsonaro.
Numa visão bem maniqueísta e com o Bolsonaro como um inimigo em comum, acho que a esquerda e até outros setores, como o [João] Doria, que não pertence a esquerda, conseguem se articular contra esse mal comum. Mas a esquerda costuma brigar muito entre sim, acho que somos muito sérios e as vezes a gente não consegue enxergar a política com mais leveza e o humor. É o que eu quis fazer com a blogueirinha.
Você já pensou em entrar na política?
MB - [Risos] Engraçado, as pessoas têm feito essa pergunta para mim nos últimos dias. Mas não, nunca pensei em entrar pra política, acho muito difícil isso acontecer.
E seu trabalho como atriz? Com o fim de "Me Chama de Bruna", qual a sua avaliação sobre esse projeto?
MB - O "Bruna" foi fundamental na minha vida, um divisor de água mesmo, eu me tornei atriz com essa série. Foi uma escola de atuação, depois dela que eu comecei a me assumir como atriz. Acho bom ter acabado, acho importante encerrar esse ciclo também. E agora estou nessa incerteza compartilhada por todo o setor da cultura. Ainda mais a gente que trabalha com aglomerações, tanto no teatro quando no cinema, a gente está sempre amontoado, a gente só vive andando em bando [risos]. Mas é realmente uma incerteza. Os possíveis projetos que estava conversando foram adiados por tempo indeterminado. Agora é esperar...
Quais eram esses projetos que você estava tocando antes da pandemia e da quarentena?
MB - Não era nada certo, fechado, apenas projetos. Mas eu estava conversando sobre um longa metragem, outros dois projetos para internet, de canais para web, um relacionado a política e outro a entretenimento, e uma série, que eu cheguei a fazer um teste. Todos projetos que foram adiados. Alguns são otimistas, com previsões de retorno em junho, mas eu acho difícil.
E como está sua vida na quarentena? O que tem feito confinada em casa?
MB - Eu acredito que sou uma pessoa muito privilegiada, então nem tenho muito o que reclamar. Tenho casa e uma estrutura de saúde e conforto que possibilita que a quarentena não seja um período de sofrimento para mim. Eu tenho o privilégio de poder ficar em casa, o que já é muito bom. Mas isso não romantiza a quarentena, não acho que seja um momento de estar bem, muito pelo contrário, é um momento de muita incerteza e ansiedade. Estou tentando manter a calma, vivendo um dia depois do outro, mas eu oscilo muito. Tem dias em que estou mais tranquila, tem dias que fico mais ansiosa, mas é isso. Vivendo um dia depois do outro, tem que ter paciência.