Farinha de trigo, ovos, fermento e leite somados a doses generosas de empenho, persistência e paixão pelo que faz. Esses são os ingredientes usados por Maria da Paz (Juliana Paes), em A Dona do Pedaço, para enfrentar as agruras da vida, recomeçar e ainda se manter como boleira, depois de ter perdido tudo. A receita, infalível na ficção, também se aplica à vida real. Sinônimo de luta e de garra, a personagem da novela das nove, muito mais do que divertir, inspira confeiteiras e empreendedoras Brasil afora. Conheça a trajetória de três mulheres que também colocam a mão na massa e seguem firmes com os mesmos propósitos de Maria da Paz: construir uma carreira no ramo da confeitaria e adoçar a vida de quem prova suas delícias. São receitas de vida, sobretudo, à base de amor e muita dedicação.
O ingrediente secreto
A porto-alegrense Bruna Tossi Longarai, 29 anos, já pode se considerar uma empresária de sucesso. Para manter funcionando a sede da confeitaria Bruna Trufas, em Canoas, e atender um média diária de 600 clientes (entre encomendas de tortas e trufas e de compras na loja), 23 pessoas estão empregadas. Entre elas, a mãe, Glaucinara Ribeiro Tossi, o pai, Luís César Monteiro Longarai, e a madrasta, Walia Borba, divididos entre os setores de atendimento, produção e delivery (telentrega).
Essa engrenagem perfeita, segundo a dona do negócio, tem dois ingredientes que nunca podem faltar: o amor que adquiriu pela confeitaria e a paixão que veio pela gestão empresarial.
Há nove anos, Bruna se viu obrigada a procurar uma alternativa para resolver as dificuldades financeiras que estava enfrentando. A saída foi produzir e vender trufas no cursinho pré-vestibular que frequentava em 2010. A inspiração para seguir nesse caminho surgiu ao visitar uma amiga de infância que também comercializava trufas – mas que, hoje, não produz mais. Caroline passou a receita de sucesso para Bruna.
– Quando comi, falei: “Meu Deus, o mundo precisa descobrir esse doce!”. Até hoje, sigo a mesma receita – diz.
Em 2011, já se sustentando do dinheiro de sua produção, ela entrou para a faculdade de Direito da PUCRS e seguiu vendendo os quitutes. A grande virada em sua vida ocorreu em 2016, quando abriu a sua primeira loja, em Porto Alegre, e decidiu abandonar a graduação no sétimo semestre.
– Foi um grande baque na minha família, pois eu tinha bolsa de estudos integral. Mas queria fazer uma coisa da qual eu gostasse – lembra Bruna.
Na mesma época, ela deu início ao curso de Marketing, na Faculdade Senac-RS, abriu a sua segunda loja, em Canoas, e engravidou de Daniela, sua única filha, hoje com dois anos.
Menos é mais
Com a vida um tanto atribulada, em 2018, optou por fechar o empreendimento da Capital, seu segundo grande marco profissional:
– A partir do momento em que foquei no meu negócio com uma loja só, ele começou a expandir.
O faturamento, em um ano, aumentou 2.000%. Com o ajuste, Bruna passou de um quadro de quatro para 23 funcionários. E, há quase dois meses, inaugurou a nova sede em Canoas em outro endereço. Hoje, ela não coloca mais a mão na massa. Sua maior preocupação é gerir o negócio, o que não significa que deixe de conferir de perto o sabor dos doces que levam a sua assinatura.
– Acompanho flashes da novela, me identifico muito com a Maria da Paz em relação à exigência de qualidade. Prefiro não vender do que oferecer algo que não esteja bom – afirma Bruna, que oferece à clientela doces de R$ 5 a R$ 190:
– Hoje, o meu trabalho me proporciona isso: fui conhecer confeitarias que são referências para mim. Antes, eu não tinha a oportunidade de ir a lugares em Goiás, São Paulo e Santa Catarina que são importantes.
Ficha técnica
/// Cereja do bolo: o amor à receita, segundo Bruna, faz toda a diferença no resultado do doce.
/// Receita de ouro: trufa de chocolate, leite condensado e morango
/// Instagram: @brunatrufas
Sabor caseiro
Luciane Ruperti, 46 anos, do bairro Bela Vista, em Alvorada, combinou o gosto por decoração com a aptidão pela confeitaria para criar a sua marca, Divina’ Artes. Depois de mais de 16 anos trabalhando como auxiliar de laboratório, ela decidiu dar uma guinada profissional. Cansada dos plantões noturnos e sonhando com uma nova carreira, em abril de 2018, começou a participar de cursos especializados na produção de brigadeiros e bolos artísticos.
– Mas aprendi a cozinhar com a minha mãe. O pão de ló, aprendi com ela, que sempre cozinhou muito bem. Hoje em dia, ela acaba me perguntando como é que faz, já não se lembra bem (risos) – conta sobre dona Irene, 73 anos.
Daí em diante, suas delícias passaram a ser comercializadas para colegas de trabalho e para os amigos dos três filhos, Bruna, 28 anos, Diego, 25, e Vitor, 18.
Devagar e sempre
Por enquanto, a confeitaria representa apenas uma fração do orçamento familiar. A maior parte ainda é garantida pela renda do marido, o aeroviário Luis Favio, 51 anos. A média mensal é de 40 pedidos, entre tortas, centos de brigadeiros e cupcakes. As delícias vão do brigadeiro gourmet até tortas artísticas, e os valores variam de R$ 35 a R$ 300.
– O que eu ganho ainda não uso para as nossas despesas maiores, mas invisto para comprar mais equipamentos – conta a confeiteira, dando um passo de cada vez.
Para Luciane, Maria da Paz serve de inspiração justamente pela força que transmite:
– Há muito tempo, eu não via novelas das nove por trabalhar à noite. Me identifico com ela pela questão de começar com tanta dificuldade, vendendo para conhecidos e vizinhos.
E também pelo prazer de trabalhar com o que gosta, além de não ter vergonha de ser uma boleira.
Trabalhando sozinha em casa, a empreendedora não vê a hora de ampliar o negócio.
– Sonho muito em ter a minha confeitaria com muitos colaboradores. Quero que eles tenham prazer em trabalhar na minha empresa – projeta.
Ficha técnica
/// Cereja do bolo: técnica apurada, atenção aos detalhes e leite na massa do bolo, ao invés de água.
/// Receita de ouro: bolo casadinho (recheio de branquinho e brigadeiro)
/// Siga no Instagram: @lucianedivinaartes
Na expectativa por um futuro delicioso
Na novela, Maria da Paz apostou na receita da avó Dulce (Fernanda Montenegro) – o bolo feito com canela em pó –, para virar uma grande empresária. Em Caxias do Sul, Sabrina Toscan se vale do que aprendeu com a mãe, Valéria, 49 anos, e da vocação para confeitaria para começar o seu próprio negócio aos 19 anos. O lado empreendedor, ela herdou do pai, Vanderlei, 54 anos, que é cabeleireiro autônomo há mais de 30 anos.
A guria, que, aos seis, já fazia arroz, gostava de ajudar a preparar as sobremesas para os almoços em família. Quando terminou o Ensino Médio, em 2018, ingressou na faculdade de Educação Física. Mas não demorou para que se desse conta de que não estava feliz e, em seguida, abandonou o curso.
Sem medo de arriscar
Uma conversa informal com uma conhecida que cursa Gastronomia fez renascer a paixão pela confeitaria. Foi aí que Sabrina decidiu repensar sua vida. Em fevereiro de 2019, pediu demissão da empresa em que trabalhava, há três anos, como auxiliar administrativa. Na sequência, em março, apostou em um curso técnico de confeitaria, que finalizou em agosto. Foi então que resolveu se dedicar integralmente à sua empresa, a Sabrina Toscan Tortas.
Hoje, a caxiense ainda não consegue se sustentar apenas com o lucro de suas tortas.
– A demanda varia muito. Já tive 20 pedidos em um mês. Mas já teve final de semana em que fiz só uma torta – conta.
Especialista em tortas, os valores dos seus produtos variam de R$ 34 a R$ 40, o quilo, dependendo do sabor solicitado. A aposta para atrair a clientela é bombar o perfil de sua marca no Instagram. Assim, ela busca abastecer a conta na rede social, provocando o público com fotos e vídeos irresistíveis das suas delícias.
Em busca de tantos sonhos, ainda sobra um tempinho para ver A Dona do Pedaço.
– Me identifico, porque Maria da Paz é uma mulher guerreira. O que ela faz, faz por amor, com carinho e vontade – diz Sabrina.
Ficha técnica
/// Cereja do bolo: atenção aos detalhes e amor pelo que faz.
/// Receita de ouro: bolo de cenoura com brigadeiro e torta de “morango moreno” (uma combinação da fruta com brigadeiro, doce de leite e chantilly)
/// Siga no Instagram: @sabrinatoscantortas
Modo de preparo
Ainda que o cenário seja promissor – segundo a Associação Brasileira da Indústria da Panificação e Confeitaria, houve crescimento no setor de 2,81% em 2018, em relação a 2017 –, especialistas no mercado confeiteiro da Capital afirmam que é preciso cautela e paciência para prosperar no ramo. Segundo Claudia Vitória, professora de cursos da área de confeitaria da Casa do Padeiro, pode-se levar de um a dois anos para obter lucro.
– Até criarem um clientela fixa, demora um pouco, pois a maior propaganda é o boca a boca. Mas temos alunos que, em menos de um ano, conseguiram ter um bom lucro, pois trabalham (em outra atividade) e vendem para os seus colegas e amigos – analisa o contexto.
Amor incondicional
Já para Josi Castro, docente do Senac-RS no curso de Confeiteiro, há um segredo de ouro para progredir nessa carreira:
– Pode parecer clichê, mas sempre falo que tem que ter paixão pelo que faz. Muito trabalho, muito estudo e muita dedicação. É uma profissão cansativa, envolve estresse, expectativa e muitas horas de pé.
O lado empresarial
/// O Sebrae-RS oferece serviço de mentoria empresarial. Os profissionais da entidade vão até você e, durante uma hora, conhecem sua empresa e orientam sobre os próximos passos para elevar resultados.
/// Você recebe dados sobre sua performance no mercado, comparando o desempenho do seu negócio com outros do segmento.
/// O atendimento avalia os temas: mercado, planejamento, finanças, processos e pessoas.
/// A visita é gratuita, válida apenas para micro e pequenas empresas.
/// Fale com a central de relacionamento pelo telefone 0800-570-0800 (de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h) ou acesse sebraers.com.br/atendimento–especializado.
/// Para quem nem deu a largada em sua empresa: em Porto Alegre, procure o Espaço de Negócios do Sebrae-RS (Salgado Filho, 135, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h) ou uma sede do Sebrae-RS mais próxima.
Alguns cursos de qualificação
Casa do Padeiro
/// Informações: no site acasadopadeiro.com.br ou no 3012–6390.
/// Quanto: cursos demonstrativos ou práticos variam de R$ 50 a R$ 1,1 mil.
Escola de Educação Profissional de Gastronomia Aires Scavone (Egas)
/// Informações: no site egasrs.com.br/nossos-cursos-de-confeitaria ou no 3341–1555.
/// Quanto: os práticos de curta duração variam de R$ 300 a R$ 520. Os profissionalizantes vão de R$ 1,4 mil a R$ 3,5 mil.
Senai
/// Informações: no site senairs.org.br/cursos/cursos–de–evolucao–profissional/confeiteiro ou no 0800-51-8555.
/// Quanto: R$ 2,4 mil (o valor pode ser parcelado em até 10 vezes).
Senac-RS
/// Informações: no site senacrs.com.br.
/// Quanto: R$ 7,5 mil.