NOVA YORK – Em uma tarde recente, o coreógrafo Alexei Ratmansky estava diante de um grande estúdio no American Ballet Theatre, preparando-se para ensaiar "The Seasons", seu mais novo balé para a companhia norte-americana. Ele disse algumas palavras finais aos dançarinos: "Lembrem-se, existe um mistério que perpassa as estações, uma energia divina. É mais do que passos bonitinhos. Há uma força inescapável que faz com que essas coisas aconteçam."
Os bailarinos posicionaram-se. Um silêncio ocupou o espaço. O pianista de ensaio, Jacek Mysinski, começou a tocar as primeiras notas brilhantes da partitura de Glazunov. Os movimentos revelavam-se um a um com uma espécie de força inexorável: um pequeno grupo levado pelo vento do inverno, um solo carregado de movimentos dos pés tão afiados quanto lascas de gelo. Cada seção materializava uma qualidade extraída da natureza; solos e duetos destacavam os atributos individuais dos dançarinos – ousadia, sensualidade, força, lirismo.
"The Seasons" é a 16ª coreografia de Ratmansky para a companhia, onde ele é artista residente desde 2009. Nesses dez anos, os bailarinos se familiarizaram com o estilo do artista, que combina o uso flexível das pernas com uma parte superior do corpo móvel e leve; força bruta e ritmada aliada a gestos melódicos.
Até agora, alguns bailarinos do Ballet Theatre já passaram toda a sua carreira interpretando as criações dele, coreografias famosas pelas dificuldades que moldaram as técnicas e as personalidades de palco desses profissionais.
Kevin McKenzie, diretor artístico da companhia, contou em seu escritório perto da Union Square: "Outro dia, eles estavam ensaiando 'On the Dnieper'" – primeiro balé de Ratmansky para o grupo, fora do repertório há quase uma década – "e me perguntei: 'Por que está tão diferente agora?'"
Ele disse que percebeu que ninguém do elenco original havia trabalhado com Ratmansky antes – eles eram estranhos. Mas, agora, "esse balé pode ganhar vida de uma maneira que antes seria impossível. Ao trabalhar com ele, os dançarinos passaram a conhecer a si próprios e a saber do que são capazes", acrescentou McKenzie.
Esse período de dez anos que Ratmansky passou no Ballet Theatre é também o mais longo que ficou em um lugar desde que deixou sua cidade natal, Kiev, na Ucrânia, para ingressar na escola de balé em Moscou.
Desde então, sua carreira tem sido um ziguezague através dos continentes, passando pelo fim da União Soviética: de Moscou, voltou para Kiev; depois, Winnipeg, Manitoba; Copenhague; e de volta a Moscou, onde dirigiu o Balé Bolshoi por cinco anos, começando em 2004.
Após sua saída do Bolshoi ter sido anunciada, ele passou a conversar sobre a possibilidade de se juntar ao New York City Ballet. Mas, quando as negociações não deram certo, McKenzie entrou em ação e o convidou para o Ballet Theatre. O contrato, que foi renovado em 2011, vai até 2023. "Espero poder contar com ele até 2053!", declarou McKenzie.
Conversei com Ratmansky, de 50 anos, sobre seu relacionamento com a companhia e a cidade de Nova York, e sobre sua própria evolução como coreógrafo na última década. A seguir, trechos editados da conversa.
P. Quando chegou ao Ballet Theatre pela primeira vez, você pensou que ficaria tanto tempo?
[A]qui posso fazer o que mais amo: servir a companhia e atender às suas necessidades, o que é muito importante, como também explorar projetos interessantes e inspiradores em outros lugares. Para mim, parece o equilíbrio perfeito.
ALEXEI RATMANSKY
coreógrafo do American Ballet Theatre
R. É surpreendente até para mim! Antes de vir para Nova York, minha vida seguia um padrão. A cada seis ou sete anos, às vezes menos, eu sentia necessidade de começar algo novo. Em primeiro lugar, como dançarino, estava em busca de um repertório interessante; depois, estava procurando um lugar onde coreografar. E, então, fui convidado para dirigir a companhia em Moscou. Mas aqui posso fazer o que mais amo: servir a companhia e atender às suas necessidades, o que é muito importante, como também explorar projetos interessantes e inspiradores em outros lugares. Para mim, parece o equilíbrio perfeito.
P. Como seu relacionamento com os bailarinos tem evoluído desde então?
R. Na primeira experiência, com "On the Dnieper" [2009], estávamos tentando impressionar uns aos outros. A seguinte, "Seven Sonatas", foi provavelmente a mais difícil, como se não nos entendêssemos. Acho que era uma questão de quebrar velhos hábitos.
P. O que mudou?
R. Diante dos meus olhos, a companhia mudou o foco: de um lugar de estrelas internacionais para um conjunto real com bailarinos próprios. Acredito que tenha sido uma transição saudável. Levou um tempo para dar frutos, mas, agora, está começando a valer a pena. Há bailarinas na companhia atualmente, como Catherine Hurlin e Tyler Maloney, que trabalham comigo desde quando eram crianças na escola da companhia. Elas entendem muito bem meu estilo.
P. Que aspectos de Nova York alimentam sua imaginação?
R. Exposições. O Metropolitan Museum of Art. Às vezes, vou toda semana. Ultimamente, tenho ido principalmente para ver as antiguidades romanas e gregas. E a coleção asiática. Você pode passar anos voltando lá e sempre vai descobrir coisas novas.
P. E danças – o que você gosta de ver?
R. Desenvolvi um interesse em dança indiana clássica. É a maneira como eles contam histórias. Há paralelos com o balé clássico – a maneira como subdividem a dança em dança pura, dança expressiva, balés de repertório e pantomima. Eles têm tudo isso. Em Nova York, pude realmente ver dançarinos clássicos indianos maravilhosos.
P. Você se sente como um americano agora?
R. Sim. Mas, durante a vida, já fui tantas vezes de algum lugar. Na escola Bolshoi, eu era o cara de Kiev. Em Kiev, eu era da escola Bolshoi. No Canadá, minha esposa, Tatiana, e eu éramos da Ucrânia; na Dinamarca, éramos russos. Em Moscou, éramos da Dinamarca. Minhas raízes são russo-judaicas, minha língua natal e minha escolarização são russas. Mas voto em Nova York. Logo, é uma salada mista.
P. Existe algo que tenha criado nessa última década que lhe pareça especialmente significativo?
R. Acho que seria a "Shostakovitch Trilogy" [2013]. Essa trilogia resume meu amor antigo pela música de Shostakovitch e, de alguma maneira, a ligação que tenho com minha criação soviética. É um trabalho muito pessoal, apesar de também ter uma escala sinfônica. Amo o fato de ser uma coreografia completa de balé, mas cujas partes podem ser apresentadas separadamente.
P. Desde que chegou a Nova York, você coreografou Shostakovitch, Leonid Desyatnikov, Stravinsky, Tchaikovsky e outros russos. O que o faz voltar sempre a essas músicas?
R. São as que conheço melhor; e talvez estejam no sangue, não sei. Talvez tenha algo a ver com minha criação. Não é uma questão nacionalista, é apenas a fonte, que é muito rica. Tenho uma lista de músicas que gostaria de usar, mas já estou quase no fim. Gostaria de coreografar mais Leonard Bernstein; ele é espetacular. E amo música barroca e francesa.
P. Em 2009, quando se tornou artista residente no Ballet Theatre (ABT), você mal conhecia a companhia. O que o fez aceitar o trabalho?
R. Do meu ponto de vista, foi o destino. Quando as negociações com o NYCB (Ballet da Cidade de Nova York) azedaram, na manhã seguinte recebi uma ligação de Kevin me convidando. Eu realmente não estava esperando aquilo. Ele teve fé em mim. Outro momento foi quando visitei pela primeira vez os estúdios da ABT e fui apresentado à companhia; ninguém me conhecia. Eles nunca tinham trabalhado comigo, mas confiaram em mim. E isso é muito importante. Quando você sente isso, quer servir.
Por Marina Harss